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"[...] Infelizmente o lado mítico do homem encontra-se hoje freqüentemente frustrado. O homem não sabe mais fabular. E com isso perde muito, pois é importante e salutar falar sobre aquilo que o espírito não pode apreender, tal como uma boa história de fantasmas, ao pé de uma lareira e fumando cachimbo.
O que significam "na realidade" os mitos ou as histórias de uma sobrevida, ou qual a realidade que aí se dissimula, certamente não sabemos. Não podemos estabelecer se têm qualquer justificativa além do seu indubitável valor de projeção antropomórfica. É preciso claramente consentir que não existe nenhuma possibilidade de chegar-se a uma certeza nesses assuntos que ultrapassam nossa compreensão.
[...]Ora, o problema da morte deveria constituir o "centro de interesse" essencial para o homem que está envelhecendo, como também a oportunidade de familiarizar-se precisamente com essa possibilidade. Uma inelutável interrogação lhe é colocada e é necessária uma resposta de sua parte. Para esse fim ele deveria dispor de um mito da morte, porque a "razão" só lhe oferece o fosso escuro no qual está prestes a entrar; o mito poderia colocar sob seus olhos outras imagens, imagens auxiliares e enriquecedoras da vida no país dos mortos. Quem acredita nisso ou lhe concede algum crédito tem tanta razão como aquele que não crê. Mas aquele que nega avança para o nada; o outro, o que obedece ao arquétipo, segue os traços da vida até a morte. Certamente um e outro estão na incerteza, mas um vai contra o instinto, enquanto o outro caminha com ele, o que constitui uma diferença e uma vantagem para o segundo."*
*Carl Gustav Jung, "in" Memórias, Sonhos, Reflexões, Ed. Nova Froneira, Rio de Janeiro,2006