quarta-feira, 10 de março de 2010

Eu que fiz, para um corintiano

Por fora, a figura do santo

Por dentro, a oração do santo, "fecha-corpo" manuscrito com letrinha de mãe

terça-feira, 2 de março de 2010

Abaixo as casas "Cláudia" 1


Lina Faria, fotógrafa profissional premiada, com trabalhos importantes que infelizmente eu ainda não conheço, mas vou conhecer, tem um olhar muito especial para os objetos de seu/sua trabalho/arte, que é, a meu ver, o que define um bom fotógrafo, muito, muito mais do que a habilidade e o aparato técnicos. Gosta especialmente das feridas e cicatrizes do cenário urbano, a que chama de “sudários”, e foi por aí que eu a descobri e fiquei sua fã. Lina conta em seu blog que já fotografou e publicou a cozinha de meio mundo, mas pouco a sua própria, que, segundo ela, está muito abaixo do padrão das revistas com as quais colabora, e, fora do detalhe, é cheia de pecadilhos. Ora, eu, que sou muito chegada num pecadilho, assim como nas cicatrizes, desafiei-a a escancarar a heresia de sua cozinha, que ela confessa usar muito pouco, com a promessa de que em contrapartida eu escancararia a minha, que eu uso bastante. A Lina gostou da idéia e me propõe (e diz que vai propor a outros), que mostre não só a cozinha, mas cantos, objetos, recortes da casa que tenham mais a minha cara. Vou nessa, mas tenho que antes pensar um pouco sobre o que tem mesmo a minha cara. Por enquanto vai esse aperitivo, uma bandeja que herdei de minha mãe e ocupa um lugar de destaque no meu armário de breguices.

O endereço da Lina é www.naftalina55.blogspot.com/

segunda-feira, 1 de março de 2010

Para o Tirpe


Entre meus quatro e sete anos de idade vivi na vila de uma serraria muito grande no interior do Paraná, num distrito chamado Saudade, à época pertencente ao município de Guarapuava, hoje ao de Turvo. Lá eu aprendi a ler, a dor, a finitude, a morte, e ainda lá comecei a desconfiar de que “um anjo torto, desses que vivem na sombra”, havia presidido meu nascimento. Nunca pertenci a nenhum outro lugar mais do que àquele e quando o deixei foi como se fosse para o exílio. Não é possível voltar para lá, pois há muito tempo, quando eu ainda era criança, tudo que havia ali foi como que varrido da face da Terra. Gosto de pensar que se me fosse dado escolher uma alucinação para a hora da morte, eu escolheria estar outra vez na cozinha espaçosa, olhando as vidraças embaçadas pelo ar quente, enquanto chiam os pinhões na chapa do fogão vermelho, ou na varanda, num sábado de aleluia, olhando a noite muito escura e constelada, sonhando com a surpresa da manhã de páscoa, ou ainda num dia qualquer de verão, simplesmente fruindo o frescor da casa grande e a doçura da madeira clara de que tudo ali era feito. É provável que eu volte a falar muito desse lugar e que venha a reconstruí-lo em desenhos, certamente alterado de sua realidade pela perspectiva de minha memória infantil. Hoje, porém, conto uma anedota simples daqueles tempos, atendendo um pedido de meu irmão numa postagem mais antiga.
Minha mãe tocava lá na Saudade um armazém bem típico do interiorzão, guarnecido de tudo um pouco do que os viventes daquele fim de mundo pudessem precisar, incluindo aí sua sabedoria de primeiros socorros. Além da numerosa gente da serraria vinham ali se abastecer todos os sitiantes do entorno. Entre os sitiantes havia uma família muito esquisita, de quem se dizia ser, todos, inclusive crianças e cavalos, bêbados irrecuperáveis. Eu os achava uma gente deplorável, suja e desgrenhada, e ficava francamente assustada quando dava com a carroça de Tirpe e Glória, era assim que se chamava o casal, atrelada na frente do armazém. Meu irmão, incapaz de perder uma oportunidade de me atormentar, não tardou a perceber minha repugnância e passou a me chamar desde então de Glória, depois “Grória”, forma que rendia um chilique maior da minha parte. O que mais me indignava era que se eu o chamasse de Tirpe, para retribuir a ofensa, isso não produzia efeito esperado, e mais ele ria e se comprazia em me chamar de “Grória”, como chama até hoje. Aliás, passados quase cinqüenta anos disso, quase não me lembro de tê-lo ouvido me chamar por meu nome verdadeiro.
Na foto acima, O Tirpe e a Glória, ele com cinco, eu com um ano de idade.