sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Um vaso




Nasci igual a centenas de outros, em fôrma comum e de louça ordinária. Estamparam-me umas flores e uns frisos meio borrados, e lá estava eu, no depósito, pronto para o destino que me coubesse.

Lembro-me de passar depois muito tempo entre outras quinquilharias simplórias, na seção “variedades” de um supermercado de subúrbio. Senhoras e mocinhas igualmente simplórias às vezes nos cobiçavam: tomavam-nos com mil cuidados, acariciavam-nos, consideravam longamente o preço na etiqueta, acariciavam-nos... Cheguei mesmo a ver um ou outro de meus pares ir-se embora ao fim desse ritual.

Mas eis que é hora do meu próprio destino,e o estranho portador do meu destino é um moço que chega afobado, olha-nos com ar contrafeito, consulta o relógio e, impetuoso, coloca-me no carrinho de compras, entre queijos, vinhos e outras guloseimas. Leva-me sem carícias nem ponderações preliminares.

A casa do moço era um apartamento claro, quase nu, só com os móveis indispensáveis. Enfeite nenhum, silêncio absoluto. Senti-me sozinho e deslocado naquela sala sem mais frivolidades, enquanto o moço acomodava as guloseimas na cozinha. Quando ele sai de lá, traz até mim um enorme maço de flores. Flores como eu jamais tinha visto, em nada parecidas com as que ficavam em pacotes na prateleira vizinha, e às vezes se arranjavam em um de nós, de amostra, no supermercado. Estas estavam vivas, frescas, e eram tão belas, e tantas, que mal pude acomodá-las. Fiquei lisonjeado. O moço arranja-as em mim com gestos nervosos e sai por longo tempo. Quando volta está diferente, calmo, um tanto entorpecido, eu diria, e... não vem só.

A moça nota as flores assim que a porta se abre; vem até elas, toca-as, admira-lhes a profusão, o perfume, a beleza, enquanto o moço se desculpa por minha feiúra indiscreta. Confessa que só lembrou do vaso em cima da hora, e aí teve que se arrumar com o que havia no supermercado próximo, etc., etc.. Ela parece concordar que eu não seja mesmo grande coisa, mas ama as flores, a gentileza, e sobretudo ama muito – posso ver – o moço. Passam-se então dois dias inteiros sem que ele faça outra coisa senão estar perto dela.

Quando ela se vai e as flores murcham, quase não o vejo e a mais ninguém. Sucedem-se longos dias de silêncio e brancura; o moço nem está agitado, como quando o conheci, nem calmo, como o vi depois: está distraído, compenetrado, absorto, talvez, no corriqueiro da vida. Numa certa manhã, algo na casa está mudado: algo impreciso, indefinível, um alvoroço no ar, digamos. À noite o moço se agita, sai, volta com flores. Quando a noite vem, vem com a moça.

Foi assim, tantas vezes que eu não saberia contar. Chegava numa sexta-feira e partia no domingo. Às vezes acontecia de ficar um dia mais, e então, no domingo, ela dizia: “que bom que hoje é sábado”, e o moço sorria, comovido. Ia-se a moça, murchavam as flores, longos dias iguais, alvoroço no ar, flores, moça chegando, moça partindo, flores murchando...

E, de repente, a mudança: embalam-se livros, roupas, utensílios, desmontam-se os móveis. Caminhão. Estrada. Casa nova. Chega de outro lugar mais um caminhão: são coisas da moça. Móveis do moço e da moça compõem-se em nova ordem, selecionam-se os utensílios, distribuem-se as coisas em armários e gavetas conforme utilidade e importância. A mim e a outros trastes coube-nos um compartimento da despensa, espécie de tumba onde a moça encerrou o que julgava sem utilidade ou indigno de estar à vista. É escuro este lugar, e nunca se abre, a não ser quando chega um novo velho traste.

Tudo que posso perceber daqui são vozes. Já há, por esse tempo, sempre junto às de moço e moça, voz pequenina e clara. Surge mais tarde uma outra, vagido apenas, que aos poucos vai se transformando em balbucio, sílabas, palavras inteiras. Gargalhadas, correria n o quintal, gritos de “mãos ao alto”, “um, dois, nove, cinco, dezessete, lá vou eu”. À noite – sei que é noite porque se calam as vozes pequeninas e as dos pássaros- moço e moça conversam longamente, e eu fico nostálgico de luz e de outros tempos.

Um dia ouço alguém dizer à moça que em tal lugar se prepara um evento beneficente. Será que ela não teria, para doar, algum objeto ainda em bom estado? Os objetos doados seriam vendidos numa grande feira, para ajudar na arrecadação de fundos. Silêncio. Abre-se a porta da tumba, e vejo de novo a luz, enquanto a moça pergunta: “serve?”. Sirvo. A estranha, que já me segura, agradece muito, convida para ir à festa, “vai ser no domingo, não deixe de ir”. “Sim, vou, sim”, responde a moça, entediada, querendo ficar logo sozinha. Quando enfim saímos, ela nos acompanha e me olha com estranhamento, como se visse em mim algo que nunca vira antes. Demora-se a fechar a porta.

Cá estou eu de novo à venda, entre muitos outros trastes inúteis, tirados de não sei que tumbas. Muitas pessoas passam por aqui com vagar e tédio; algumas compram, para colaborar, coisinha qualquer. De repente eu vejo chegar, aflita, aflita, a moça. Olha à volta, procura não sei quê, tem muita urgência, vê-se. E é a mim que procura. Corre quando me vê, segura-me por alguns segundos contra o peito, aliviada, como se me salvasse de grande perigo. “Vou levar isto”, diz, passando o dinheiro.

Volto à casa das vozes, mas nunca mais ao cubículo dos inúteis. Colocam-me no alto de um armário, que é para onde vão as coisas que se quer bem longe das mãozinhas buliçosas. E é aqui que passo agora a maior parte do tempo. Alguma vez o moço traz flores, e então a moça me deixa por dois ou três dias sobre um móvel mais baixo, repleto de efêmera majestade. Quando as flores murcham, ela as deita fora e amorosamente me lava; examina-me, compungida, as rachaduras de sempre, seca-me, e me repõe a salvo no alto do armário. E se é dia de limpeza na casa, ou se alguém vem procurar alguma coisa aqui em cima, ela aponta para mim e diz: “cuidado com aquele vaso”.
aveloh

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Imaginação infantil


Meu filho do meio, ainda bem pequeno, entretinha-se desenhando os bichinhos que eu lhe sugeria: "desenhe uma vaquinha", e ele fazia um rabisco parecido com a ilustração ao lado. "Agora desenhe uma lagarto", e ele prontamente fazia um rabisco quase igual ao primeiro. "Agora uma galinha", e lá vinha o mesmo rabisco. Ficamos um bom tempo nisso, eu a sugerir os bichos e ele a desenhar e a me mostrar com uma carinha triunfante o rabisco igual a todos os outros. Lá pelas tantas, eu lhe pedi que fizesse um coelhinho, ao que prontamente ele respondeu:
- Aah...coelhinho eu não sei fazer!

Nat King Cole

Três coisas me fazem às vezes suspeitar que Deus existe: as melancias, os cachorros e a voz desse anjo; clique no endereço para ouvir www.youtube.com/watch?v=9IDUxk9sSXI

A fazenda africana




Karen Blixen (1885-1962), escritora dinamarquesa, manteve por uns quinze anos uma fazenda de café no Quênia, nas proximidades de Nairóbi. Vendida a fazenda por motivo de falência iminente, ela se retira para sempre da África, experiência bastante dolorosa que ela relata em seu livro autobiográfico "A Fazenda Africana". Hollywood adaptou livremente essa história para um filme, "Entre dois amores", que, visto depois de se conhecer a poderosa narrativa da escritora, parece bem chulé.
A propósito da natureza das relações de amizade entre mulheres, transcrevo abaixo uma página belíssima e imperdível desse romance, em que ela narra a visita de uma amiga, por ocasião de sua derrocada como fazendeira.


"Foi nessa época – embora antes de eu me desfazer dos cavalos – que Ingrid Lindstrom deixou sua fazenda para passar um tempo comigo. Este foi um grande gesto de amizade da parte dela, pois relutava ao máximo em se afastar da fazenda. [...] No fundo de seu coração, Ingrid entendia e percebia, com toda a intensidade, com algo da força dos próprios elementos, o que de fato significava para uma mulher fazendeira ter de desistir de sua terra e abandoná-la.
Enquanto Ingrid ficou ao meu lado, não falamos do passado nem do futuro, e tampouco mencionamos o nome de qualquer amigo ou conhecido. Em vez disso, concentramos nossos espíritos no desastre que se abatera sobre mim. Caminhamos juntas de um lado para o outro da fazenda, nomeando todas as coisas à medida que as víamos, uma após a outra, como se estivéssemos elaborando mentalmente um relatório da minha perda, ou como se Ingrid estivesse, em meu nome, reunindo material para um livro de reclamações a ser apresentado ao destino. Por sua própria experiência, Ingrid sabia muito bem que não existe nenhum livro como este, mas mesmo assim a ideia de algo parecido é inseparável de nossa existência como mulheres.
Fomos até a boma do gado, e ali sentamos na cerca, contando os bois à medida que passavam. Sem nada dizer, eu os apontava para Ingrid: “Esses bois”, e, igualmente muda, ela respondia: ”Sim, esses bois”, e os registrava em seu livro. Em seguida, seguimos para o estábulo, a fim de dar açúcar para os cavalos e, quando haviam terminado, eu esticava minhas mãos pegajosas e lambidas, e os apresentava a Ingrid e chorava: “Esses cavalos”. Ela suspirava longamente de volta: “Sim, esses cavalos”, e também os incluía no livro. Na horta à beira do rio, foi difícil para ela aceitar a ideia de que eu deixaria as plantas que trouxera da Europa, e retorcia as mãos sobre os canteiros de hortelã, sálvia e lavanda, e até mesmo voltou a falar delas mais tarde, como se estivesse elaborando algum plano que me permitisse levá-las comigo.
Passamos a tarde contemplando meu pequeno rebanho de vacas nativas que pastavam no gramado. Repassei suas idades, características e capacidade de produzir leite, enquanto Ingrid gemia e se lamentava, como se estivesse sofrendo em sua própria carne. Examinou cada um dos animais com toda a atenção, não por vislumbrar a perspectiva de ficar com eles, pois todas as minhas vacas já haviam sido prometidas para os criados, mas a fim de avaliar e pesar as minhas perdas. E se apegou sobretudo aos dóceis e cheirosos bezerros; ela própria, após muitas dificuldades, conseguira colocar algumas vacas com bezerros em sua fazenda e, sem qualquer motivo, contra sua própria vontade, lançou-me olhares profundos e furiosos que me culpavam por abandonar meus bezerros.
Creio que, ao lado de um amigo que tivesse sofrido uma grande perda, um homem que ficasse repetindo para si mesmo a frase “ainda bem que isso não aconteceu comigo” acabaria sentindo-se mal com isso e tentaria suprimir tal sentimento. Mas as coisas se passam de outro modo quando duas mulheres são amigas, e uma delas manifesta sua profunda simpatia pelo infortúnio da outra. É evidente que, também neste caso, a amiga mais afortunada ficará o tempo todo repetindo que “graças a Deus, isto não aconteceu comigo”. Tal ideia não provoca nenhum sentimento ruim entre as amigas, mas é algo que as aproxima e introduz na situação um elemento pessoal. Na minha opinião, os homens não são capazes de admitir, de maneira fácil ou harmoniosa, sua inveja ou seu triunfo uns sobre os outros. Mas é óbvio que a noiva triunfa sobre suas damas de honra, e que as visitantes invejam uma mulher que acabou de dar à luz – mas ninguém se sente mal por causa disso. Uma mulher que perdeu o filho pode muito bem mostrar as roupas deste a uma amiga, com plena consciência de que esta provavelmente está dizendo para si mesma “graças a Deus não foi comigo” – e para ambas aquilo seria natural e adequado. E foi bem isto que ocorreu entre mim e Ingrid. Enquanto percorríamos a fazenda, eu sabia que ela estava pensando em suas próprias terras, exultando com a própria sorte de ainda ser uma proprietária, e agarrando-se a isto com todas as suas forças – e isto não afetava em nada nossa amizade. A despeito de nossas gastas calças e blusas de brim, nós éramos na verdade uma dupla de mulheres míticas, envoltas respectivamente em panos brancos e negros, indissoluvelmente unidas como os gênios da vida dos fazendeiros na África."

Karen Blixen, In A fazenda africana, Ed. Cosac Naify, 2005, pg 414-417

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Dioloro


Minha tia-avó Deocleciana foi menina há muito, muito tempo. Casou-se no tempo de casar e teve muitos filhos, como convinha em seu tempo. Viveu decerto algumas alegrias e uns tantos desgostos, como todo mundo; de umas e de outros eu nada sei, e nem ela, que já não se lembra.
Tudo cumprido, o que restou de minha tia é quase só o que posso ver: o corpo diminuído e trêmulo, um barco à deriva na sala antiga em que a visitamos, meus pais e eu, numa tarde qualquer.

-Mãe, veja só quem está aqui: Fulana e Sicrano, e a filha mais nova deles. Lembra, mãe, sua sobrinha, filha de sua irmã Waldemira.

Anos atrás minha tia talvez ficasse constrangida por não reconhecer quem deveria. Agora, nem isto. Tudo passou, nunca foi, ou foi em demasia. Pai, mãe, irmãos, irmãs, marido, filhos e filhas, netos, os vários tons de sépia que se perfilam na parede sépia, são todos estranhos, vozes que chegam sem voz, da outra margem.

- Não sei de Waldemira.

As velhas histórias da família, casos d’antanho, aquela vez no Bom-Jardim, as mesmas visitas repetidas vezes apresentadas (“quem é mesmo essa gente?”), tudo é novo, e em seguida é nada: dissolve-se na névoa do tempo excessivo, na alvura desta mesa em que vários tempos comungam e se esvaem.

- Come um bolinho, mãe, é daqueles que a senhora gosta.
- ...
- Pedacinho só, mãe, comeu quase nada hoje. Come, antes que Dioloro chegue.
- Dioloro vem?
- Vem, mãe, acho que vem.

Ninguém sabe. Ninguém viu. Dioloro é só nome de quem foi, abracadabra que se pronuncia para que ela se lave e coma um tantinho, fogo de artifício, chuva de estrelas ... Dioloro ... O que seriam estas cintilações na sala? Vagalumes nos olhos de minha tia? Ouso perguntar?

- Tia, me conte, quem é Dioloro, tia?

É outro tempo, e primavera. Deocleciana, menina, mãozinha apertada no peito, inclina-se para a menina que a visita muitos anos depois, e lhe concede a jóia mais rara, relíquia guardada em fenda de pedra:

- É meu amor, meu amor, meu amor...

aveloh

terça-feira, 27 de outubro de 2009

"Farewell, sayonara"...


A menina da esquerda é uma das imagens mais comoventes que já vi em fotografia. Vale um ensaio sobre a vulnerabilidade humana. Repare: a postura, a posição das mãozinhas, os óculos, o estrabismo, a confiança - ainda que melancólica - com que se deixa fotografar, todo detalhe remete ao inevitável desencanto, à iminência da queda. Das duas meninas, foi a que sobreviveu; a outra, voluntariosa, muito cedo decidiu que era hora de apear do mundo e apeou. Saudade dela...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Campo de Agrião



À tardinha a mãe mandou que ele fosse pela última vez colher o agrião. Que amanhã isto já não seria possível, nem depois de amanhã, nem depois de depois de amanhã, nem nunca. Que amanhã muito cedo chegariam homens e madeira para levantar o armazém, e ainda que algumas touceiras resistissem ao pisoteio da construção, o que era quase impossível, e ele depois pudesse ir até o lugar delas pelo alto vão que ia ficar entre chão e assoalho, isto de nada adiantaria, pois que lá estariam longe do sol, e longe do sol nem mesmo uma verdura valente como o agrião do seco é capaz de viver. Que amanhã, pois, quando o apito da serraria anunciasse a hora de sempre o pai chegar e ele fosse colher o agrião fresco para o almoço, o canteiro de agrião já não existiria.

Então ele tomou a tijelinha das mãos da mãe, desceu os três degraus da varanda e ficou a contemplar a vastidão do terreiro, que ele sempre imaginara coberto de pés de mexerica e de melancias. Porém ali, onde antes houve pinheiros como havia ainda em toda volta da vila, ali era terra nua, nada havia, a não ser, justo no lugar em que se construiria o armazém, aquelas touceiras de agrião do seco, a que ninguém, exceto ele e o pai, dava muito valor. Amanhã nem isto haveria. Morreria o agrião para que em seu lugar se fizesse o armazém de três portas com muito comprido balcão, e por trás da parede de prateleiras o depósito de mercadorias, lugar de nichos e penumbras, bom para as brincadeiras de esconder. Sim, havia de ser bom, mas seria outra coisa, não esta que vinha desde sempre e de repente se acaba. Pois isso de as coisas se acabarem era mesmo possível, e todas as folhas que sobrassem da última colheita, até as mais tenras, acabadas de brotar, amanhã deixariam de existir. Restariam esmagadas sob os pés dos carpinteiros, sob as tábuas de pinho que aqui e ali se empilhariam à espera de se armar em construção idêntica à de todas as casas da vila, da escola, da igrejinha, do escritório, da serraria mesma, e afinal pintarem-se as paredes de idêntico amarelo e as portas e janelas do mesmo verde do mar de pinheiros.

E quando o menino acordou no dia seguinte, tudo já começava a consumar-se.

Muito tempo se passou desde então. As margens do pinheiral foram aos poucos se afastando na direção do horizonte, e tanto se afastaram que decerto despencaram pelas bordas do mundo, pois nem mesmo ao longe se via mais o contorno das araucárias. Daí que acabou por se esvaziar o pátio de toras, acalmaram-se os vapores da serraria, e tudo ficou muito quieto. Depois, uma a uma, milhares de tábuas se despregaram e foram apodrecer, ou existir, talvez, ainda, em lugar insabido; desmontaram-se as máquinas, arrasaram-se os últimos vestígios de que algo ali tenha acontecido, e por cima de tudo semeou-se um campo de soja. Por fim, mãe e pai desapareceram, o menino mesmo desapareceu, de modo que é impossível saber agora onde houve o canteiro de agrião.



aveloh

"Inquebrantada linhagem

Por onde vou, no jardim,
cato gravetos.
Antigo destino me leva a escolher
entre verdes
aquilo que está seco, ossos mortos
sem seiva
que a árvore abandona.
Nenhuma panela espera a magra chama
nenhum frio me obriga a essa colheita.
Vou de cabeça baixa
garimpando
e faço feixes que levarei às costas
ou nos braços
até lugar nenhum
apenas para juntar-me à fila interminável,
inquebrantada linhagem de fêmeas que
como formigas colhem
e levam
e colhem e levam
e colhem
porque esse é o seu lote."

Marina Colasanti, In "Fino Sangue", Ed. Record, Rio de Janeiro, 2005

domingo, 25 de outubro de 2009

Send in the clowns



Interpretações dessa música tão belas quanto esta, só mesmo outras da mesma Judi Dench

Das razões do nome deste blog 3

Ditas as duas outras razões, posso agora falar de uma terceira, que é a minha relação com a poesia. Nada em minha vida pode ser prosaico, o prosaismo me devasta. Minha necessidade de poesia é tanta, e eu tanto fiz que consegui até me casar com um poeta. Não sei dos outros poetas, mas do meu posso dizer que tem o olhar sempre um pouco desviado para as esferas - as celestes e aquelas dos canais SPORTV - o que o distrai bastante de mim. Tal distração não é de todo ruim, pois foi o que permitiu, lá no começo dos tempos, que ele não notasse que eu era ligeiramente torta, em mais de um sentido, e se deixasse fisgar. Hoje já não é mais possivel ignorar que eu seja torta, mas ele ainda não reparou que ultimamente dei também para ter bigodes. Meu poeta é também um ninho de alvéloas, pois à força de sustentá-lo em minha mão direita com o braço estendido para o alto, enquanto aguardo as trombetas do Juízo, meu olhar acabou por escapar de minha sombra soturna e ir a outras paragens, para além da "charneca deserta e nua".

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

"Cave Canem"



Esta criatura incrivelmente graciosa chama-se Karina Karamel. Atende também por Carol, às vezes por Carolina (aos três e aos seis meses de vida). É um cachorro viralata, mas pensa que é uma princesa egipcia.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Variações sobre a mesma cor, com diamante partido















Para Zaclis Veiga (Zazá), fotógrafa, professora, minha prima menorzinha, com amor

Das razões do nome deste blog 2 ou "O ninho das alvéloas"


Tal "colisão de palavras" não é de minha autoria. Está num conto magnífico de Selma Lagerlöf (que adiante vai transcrito), escritora sueca que conheci há pouco tempo e de quem não se acha nada no Brasil, a não ser em sebos.

"O ninho das alvéloas


Hatto, o eremita, orava a Deus no deserto. Era dia de tempestade: a barba comprida e os cabelos desgrenhados esvoaçavam-lhe em trono do rosto como tufos de grama no cimo de uma velha ruína. Porém Hatto não fazia um movimento para afastar os cabelos dos olhos nem prender a barba à cinta, pois tinha os braços erguidos para o céu. Desde o amanhecer mantinha levantados os braços nodosos e peludos, tão incansavelmente como uma árvore estende os seus ramos; e contava permanecer assim até o cair da tarde.
Era um homem que aprendera a conhecer a maldade dos homens. Ele mesmo perseguira e atormentara, mas os tormentos e as perseguições que sofrera excediam o limite que seu coração podia suportar. Por isso, retirara-se para a vasta charneca; cavara nas areias da ribanceira uma espécie de caverna, e lá se tornara um santo, cujas preces subiam ao trono de Deus.
Hatto, o eremita, rezava, diante da sua caverna, a grande prece da sua vida. Rogava a Deus que fizesse raiar o dia do Juízo Final sobre esta Terra maldita. Invocava os anjos, cujas trombetas ressoantes anunciarão o fim deste reino de pecado. Invocava as ondas de sangue que afogarão as iniqüidades do mundo. Invocava a peste que encherá os cemitérios.
À volta dele estendia-se a charneca, deserta e nua. E o furacão silvava como prodigiosa ameaça sobre a terra pelada. No entanto, um pouco mais acima crescia um salgueiro de tronco enfezado e curto que formava na extremidade um grosso nó de onde rebentavam molhos de ramos tenros. Pelo outono, os habitantes da planície o despojavam de sua fresca ramagem. Pela primavera, a árvore brotava novos e flexíveis rebentos que, nos dias de vento forte, se agitavam como os cabelos e a barba de Hatto, o eremita.

O casal de alvéloas que ali costumava fazer o seu ninho queria, naquele dia precisamente, começar a construí-lo. Mas entre os galhos que os fustigavam não acharam nenhuma segurança. Chegavam com folhas secas de caniço, fibras de raízes e junco do verão anterior, e várias vezes tiveram de voltar sem nada conseguir. Foi quando avistaram o velho Hatto, que rogava a Deus que a tempestade aumentasse e varresse tanto os ninhos dos pequeninos pássaros como os das águias.
Certo, as pessoas de hoje dificilmente imaginam quanto pode ser nodoso, musgoso e negro, e como se assemelhava pouco a um homem, um velho eremita daquele tempo. A pele distendida na fronte e nas faces dava-lhe o aspecto de uma caveira, onde, no fundo das órbitas, apenas dois pequenos clarões eram resquícios de vida. Os músculos ressequidos tiravam-lhe aos membros qualquer sombra de redondeza; e os braços não passavam de longos ossos recobertos de uma crosta de carne rude e rugosa. Vestia uma velha batina preta, muito justa. Estava tostado pelo sol e enegrecido de lama. Claros, nele, somente os cabelos e a barba. Dera-lhes o sol e a chuva os mesmos tons verdes e cinzentos que ao reverso das folhas do salgueiro.
Os pássaros que procuravam lugar para seus ninhos tomaram Hatto, o eremita, por um salgueiro, tão velho quanto o outro, e que uma machadada detivera também no seu impulso para o céu. Voavam, iam-se embora, voltavam, bordejavam, giravam em torno de Hatto, tomavam pontos de referência. Calcularam a situação dele em relação às aves de rapina e às tempestades. Acharam-no pouco propício; mas a vizinhança do rio e dos caniços, seu depósito de provisões e sua oficina, decidiram-nos. Uma das alvéloas atirou-se feito uma flecha na mão erguida de Hatto e nela depositou sua fibra de raiz.
A tempestade soprava: a fibrazinha voou. Porém as alvéloas retornaram e tentaram inserir as fiadas do seu ninho entre os dedos calosos do velho ermitão. Súbito, um grosso e rude polegar calcou os pedacinhos de erva para os reter, e quatro dedos, dobrando-se por sobre aquela mão, formaram como que um tranqüilo nicho onde os pássaros poderiam construir. E Hatto continuava as suas preces: __ “Senhor, onde estão as tuas nuvens de fogo que destruíram Sodoma? Quando abrirás as cataratas celestes que levantaram a arca de Noé até o cimo do Arará?”
E no cérebro febril do solitário surgiram as visões do Juízo Final. Tremia o solo; o firmamento avermelhava-se. Mas, enquanto essas fúnebres visões lhe fascinavam a alma, seus olhos entraram a acompanhar o vôo das alvéloas, que reapareciam sem interrupção e, de cada vez, com um gritinho de contentamento, consolidavam o seu ninho com um novo pedaço de erva.
O velho não se mexia, pois, para obrigar o Senhor a escutar-lhe a prece, fizera o voto de orar imóvel do amanhecer ao pôr-do-sol. E, à medida que aumentava o cansaço, mais vivos se lhe tornavam os sonhos de visionário. Ouviu o estrondo das casas a desabar e das paredes a se desmoronarem. Passavam-lhe ante os olhos multidões aterradas e vociferantes, expulsas, acossadas pelos anjos da destruição, anjos de semblante terrivelmente belo, encouraçados de prata e de ouro, galopando em cavalos pretos, com látegos de relâmpagos.
Entretanto as alveloazinhas construíram sem tréguas. Na charneca, onde cresciam tufos mirrados, e perto do rio orlado de juncos e caniços, não faltavam materiais. Não gozaram sequer o repouso do meio-dia, e antes de baixar a noite já chegavam à cumeeira da sua construção. Antes, porém, que a noite baixasse, Hatto, cujos olhos as tinham seguido demoradamente, interessava-se pelo trabalho delas. Censurava-lhes a lentidão; indignava-se com as rajadas de vento que lhes retardavam a execução da tarefa, e decerto não suportaria que elas descansassem. E o Sol se pôs. E os pássaros volveram aos caniços do rio.

Ao despontar do dia, as alvéloas cuidaram, a princípio, que os acontecimentos da véspera não passavam de um suave sonho. Inutilmente se regulavam pelos seus pontos de referência, debalde voavam em todas as direções, subiam direito ao céu e sondavam com o olhar a imensidão da charneca: o ninho e a árvore tinham desaparecido. Pousaram sobre duas pedras que emergiam das águas e puseram-se a discutir o caso, agitando a cabecinha e meneando a longa cauda. Mas, ainda o Sol não se erguera meio palmo acima da outra margem, a sua árvore veio colocar-se no mesmo lugar da véspera. Era ela, sem dúvida, sempre tão nodosa e tão negra, e com o ninho delas sobre aquela espécie de ramo rude e truncado. E as alvéloas retomaram o seu trabalho, sem mais se deterem na consideração das maravilhas de que é tão rica a Natureza.
Hatto, o eremita, que expulsava da caverna as criancinhas, gritando-lhes que melhor seria não terem nascido, aquele Hatto cujo olho mau os pastores temiam, empenhava-se em não fazer nada que pudesse assustar ou molestar as alveloazinhas. Sabia que em relação às coisas que Deus permite na Natureza sucede o mesmo que com todas as sílabas dos Livros Sagrados: cada uma delas tem o seu sentido misterioso e místico. E descobrira o que significava aquele ninho começado entre os seus dedos. Era evidentemente a promessa de Deus de que, se ele permanecesse a orar, com os braços erguidos, até que os pássaros houvessem chocado os filhinhos, a sua prece seria escutada e o mundo destruído.
Nesse dia foi ele menos perseguido por visões lúgubres. Mal afastava os olhos do trabalho dos pássaros. Via o ninho concluir-se, os pequenos arquitetos experimentarem-no e, como reboco e pintura, colocarem-lhe na parte externa alguns liquens colhidos no verdadeiro salgueiro. Quando tiveram de mobiliá-lo e habitá-lo, procuraram as lanugens das plantas mais sedosas, e mamãe alvéloa foi a ponto de arrancar algumas das próprias penas para melhor estofar o interior da sua casa.
Os camponeses, que receavam o funesto poder das orações do eremita, tratavam de lhe aplacar a cólera levando-lhe pão e leite. Encontraram-no de pé, com as mão erguidas e o ninho na mão. - “Vejam - diziam eles - como aquele santo homem gosta dos passarinhos!” E não mais o temeram, chegaram-lhe à boca a vasilha de leite e puseram-lhe entre os lábios pedaços de pão. Depois de haver comido e bebido, Hatto repeliu os homens com palavras ásperas; porém às maldições do eremita eles só responderam com bons sorrisos.
Já desde muito o seu corpo era o escravo da sua vontade. A poder de açoites e jejuns, genuflexões de um dia inteiro e insônias de uma semana a fio, havia-o reduzido à obediência. Seus músculos de ferro mantiveram-lhe rígidos os braços dias e dias; e, quando a alvéloa, chocando seus ovos, não mais deixou o ninho, nem o cair da noite o fez voltar à sua caverna para deitar-se: dormiu sentado, com os braços estendidos para o céu. Mais de um cenobita no deserto fizera coisas ainda mais duras!
Habituara-se àqueles dois olhinhos irrequietos que o fitavam da entrada do ninho. Protegia-os contra a chuva e o granizo.
Ora, um belo dia a alvéloa se levantou e saltitou sobre a frágil fortaleza, logo seguida pelo macho, que tremia de contente. Ambos estudavam providências e mostravam-se alegres, embora o ninho estivesse cheio de um pipilar desesperado. Um instante depois, atiraram-se a uma desenfreada caça de moscas e mosquitos. E, à proporção que as moscas e mosquitos apanhados eram conduzidos ao ninho, os pipios aumentavam, a ponto de turbar as preces do piedoso eremita. Então, lento e lento, num esforço das articulações, que haviam quase desaprendido a faculdade de funcionar, os seus braços desceram; e os seus olhos de brasa mergulharam no ninho tumultuoso. Não, jamais vira ele nada tão lamentavelmente feio e miserável: corpinhos nus, sem olhos, sem asas, e seis grandes bicos escancarados. Singularmente impressionado, sentiu invadi-lo uma ternura pelos bichinhos. Daí por diante, quando suplicava a Deus que salvasse o mundo pela destruição, fazia tácita reserva para aqueles pequeninos seres indefesos. E, ao receber alimento das mãos dos camponeses, não mais lhes agradeceu desejando-lhes a morte. Alegrava-o que não o deixassem morrer de fome, porquanto sua vida era necessária à ninhada que lhe pipilava na mão.

Dentro em breve seis cabeças redondas se estenderam todo o dia às bordas do ninho. E cada vez com maior freqüência o braço do velho Hatto baixava até os olhos. Via as penas que furavam a pele vermelha, os olhos que se abriam, e a forma do corpo que principiava a se arredondar. E de seus lábios subia a prece, mais e mais hesitante. Deus lhe prometera - disso estava certo - que a destruição irromperia logo que as alveloazinhas soubessem voar. E agora ele quase buscava subterfúgios, pois lhe parecia impossível imolar aqueles pequeninos seres cujo nascimento ele ajudara. Até então, nunca tivera nada que dependesse dele; e o amor dos fracos e dos humildes, insinuando-se-lhe no coração, tornava-o incerto. Às vezes passava-lhe pela cabeça lançar ao rio a ninhada inteira. Que felicidade maior que a de morrer sem ter conhecido a dor e o pecado? Salvaria, assim, aquelas pobres criaturas das aves de rapina, da fome, do frio, das provações da vida. Estava a pensar nessas coisas, quando um gavião investiu sobre as alvéloas, e Hatto mal teve tempo de o agarrar com a mão esquerda e arremessa-lo para o lado do rio.

Chegou, por fim, o dia em que os pequeninos tiveram de ensaiar as asas. Dentro do ninho, uma das alvéloas diligenciava impeli-los até à entrada, enquanto a outra esvoaçava em derredor para lhes mostrar como era fácil, que lhes bastava tentar. Mas os bichinhos tinham medo e recusavam-se à experiência. Então os pais exibiam aos olhos dos filhos todos os recursos de sua arte. Giravam e voltavam num movimento repentino das asas, ou, como as cotovias, subiam direito ao céu e mantinham-se imóveis no ar, com as asas a tremer violentamente. Os pequeninos recalcitravam. E Hatto, o eremita, não resistiu ao desejo de intervir. Deu-lhes um leve piparote, e tudo se resolveu. Fora do ninho, açoitando o ar ao jeito dos morcegos, voam canhestramente, dão cambalhotas, caem, levantam-se, e valem-se dos primeiros conhecimentos para retornarem a casa o mas rápido possível. Os pais chegam orgulhosos e alegres, e o velho Hatto sorri da alegria deles: de alguma coisa valera a sua interferência!
Sorriu e perguntou a si mesmo, seriamente, se Deus não tinha outra saída senão violar a promessa feita... Quem sabe? Talvez Deus, o Pai, sustentasse a Terra em sua mão direita como um grande ninho de pássaros, e houvesse terminado afeiçoando-se àqueles que nela vivem. E, no momento de os aniquilar, talvez houvesse sentido por eles a mesma piedade que o solitário da charneca pelos passarinhos. Seguramente os pássaros valiam mais do que os homens. Porém Hatto compreendia, também, que Deus pudesse compadecer-se da espécie humana.

No dia seguinte o ninho estava deserto, e a amargura da solidão encheu-lhe a alma. Caiu-lhe o braço, lento lento, ao longo do corpo; parecia-lhe que toda a Natureza continha a respiração na expectativa das trombetas do Juízo Final. Nesse instante, porém, as alvéloas voltaram familiarmente a pousar-lhe na cabeça e nos ombros. E um clarão iluminou o conturbado cérebro do velho ermitão. Ele, que prometera permanecer imóvel, baixara o braço! Como é que não pensara nisso? Cada dia baixara o braço para olhar o ninho. E, de pé, enquanto os seis pequeninos adejavam e brincavam em torno dele, abanou a cabeça, dirigindo-se a um ser invisível:
- Estás desobrigado de cumprir a tua promessa. Estás desobrigado! Eu não mantive a minha palavra; tu não precisas de manter a tua!
E afigurou-se-lhe que as montanhas cessavam de tremer e que o rio se espraiava no seu leito sereno, com uma segurança imensa."



Selma Lagerlöf In “Mar de histórias: antologia do conto mundial, VI: caminhos cruzados/ [organizadores e tradutores] Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai. -4.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Das razões do nome deste blog 1

"Um dia, ao começar a escrever um livro didático sobre literatura, tive que dar uma definição da poesia e embatuquei.[...] No aperto me socorri de Schiller, em quem o crítico era tão grande quanto o poeta, e disse com ele: 'Poesia é a força que atua de maneira divina e inapreendida, além e acima da consciência'.

Sabeis o que é atuar de maneira divina? Confesso lisamente que não sei. Mas conheço da poesia, por experiência própria, essa maneira inapreendida de ação: nunca pude explicar, em muitos casos, a emoção que me assaltava ao ouvir ou ao ler certos versos, certas combinações de palavras. A propósito, vou contar-vos uma anedota. Havia na Avenida Marechal Floriano um hotel que se chamava Hotel Península Fernandes. Toda vez que eu passava por ali e via na tabuleta aquele nome Hotel Península Fernandes, sentia não sei que pequenino alvoroço, - alvoroço em suma de qualidade poética. E ficava intrigadíssimo. Por que aquele hotel se chamava Península Fernandes? Uma tarde meu primo Antônio Bandeira, igualmente invocado pelo estranho nome, não se conteve, subiu as escadas e foi falar ao proprietário, que era um português terra-a-terra e sem nenhuma fumaça de literatura.

- O sr. me desculpe a curiosidade, mas por que é que o seu hotel se chama Península Fernandes?

- Muito simples, respondeu o homem. F'rnandes porque é o meu nome, e P'nínsula porque é bonito!

O nome estava realmente explicado, mas a emoção poética não: atuava de maneira inapreendida.
É assim que muitos fatos de rua atuam sobre a nossa sensibilidade. Dois automóveis colidem, ou uma senhora desmaia, ou um homem é assassinado, ou uma estrangeira em trânsito para Buenos Aires desembarca na Praça Mauá em trajes pouco mais que menores: forma-se logo um ajuntamento e os que vão chegando e aderindo ao grupo e os que olham de longe não sabem ainda o que se passou. Paira no ar um certo tumulto emocional, criando uma como que atmosfera de poesia. Pois bem, o poeta suscita a mesma coisa, só que mediante apenas uma colisão de palavras.

Manuel Bandeira, In "DE POETAS E DE POESIA", Edições de Ouro Culturais, Rio de Janeiro, 1967.