"Um dia, ao começar a escrever um livro didático sobre literatura, tive que dar uma definição da poesia e embatuquei.[...] No aperto me socorri de Schiller, em quem o crítico era tão grande quanto o poeta, e disse com ele: 'Poesia é a força que atua de maneira divina e inapreendida, além e acima da consciência'.
Sabeis o que é atuar de maneira divina? Confesso lisamente que não sei. Mas conheço da poesia, por experiência própria, essa maneira inapreendida de ação: nunca pude explicar, em muitos casos, a emoção que me assaltava ao ouvir ou ao ler certos versos, certas combinações de palavras. A propósito, vou contar-vos uma anedota. Havia na Avenida Marechal Floriano um hotel que se chamava Hotel Península Fernandes. Toda vez que eu passava por ali e via na tabuleta aquele nome Hotel Península Fernandes, sentia não sei que pequenino alvoroço, - alvoroço em suma de qualidade poética. E ficava intrigadíssimo. Por que aquele hotel se chamava Península Fernandes? Uma tarde meu primo Antônio Bandeira, igualmente invocado pelo estranho nome, não se conteve, subiu as escadas e foi falar ao proprietário, que era um português terra-a-terra e sem nenhuma fumaça de literatura.
- O sr. me desculpe a curiosidade, mas por que é que o seu hotel se chama Península Fernandes?
- Muito simples, respondeu o homem. F'rnandes porque é o meu nome, e P'nínsula porque é bonito!
O nome estava realmente explicado, mas a emoção poética não: atuava de maneira inapreendida.
É assim que muitos fatos de rua atuam sobre a nossa sensibilidade. Dois automóveis colidem, ou uma senhora desmaia, ou um homem é assassinado, ou uma estrangeira em trânsito para Buenos Aires desembarca na Praça Mauá em trajes pouco mais que menores: forma-se logo um ajuntamento e os que vão chegando e aderindo ao grupo e os que olham de longe não sabem ainda o que se passou. Paira no ar um certo tumulto emocional, criando uma como que atmosfera de poesia. Pois bem, o poeta suscita a mesma coisa, só que mediante apenas uma colisão de palavras.
Manuel Bandeira, In "DE POETAS E DE POESIA", Edições de Ouro Culturais, Rio de Janeiro, 1967.
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Que lindo. Absolutamente visual.
ResponderExcluirGostei muito do texto do Manuel Bandeira!
ResponderExcluirO blog todo é belo! parabéns
Obrigada, Cristiane, pelo comentário, e também pelo presente que acabei ganhando por tabela
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