sábado, 24 de novembro de 2018

Jung analisa a Alemanha de Hitler

A cada vez que leio Jung fico espantada com sua inteligência. O texto abaixo é um excerto da entrevista concedida por ele a H. R. Knickerbocker, correspondente norte-americano para o Hearst's International-Cosmopolitan. Em 1938. Repito, notem, em 1938.

"[...] Como médico, tenho não só que analisar e diagnosticar, mas também de recomendar tratamento.

Estivemos quase todo o tempo falando sobre Hitler e os alemães porque eles são, incomparavelmente, o mais importante dos fenômenos ditatoriais do momento. É para isso, portanto, que devo propor uma terapia. É extremamente difícil lidar com esse tipo de fenômeno. É excessivamente perigoso. Refiro-me ao tipo de caso de um homem agindo sob compulsão.

Ora, quando eu tenho um paciente agindo sob o comando de um poder superior, de um poder dentro dele, como a Voz de Hitler, não me atrevo a dizer-lhe que desobedeça à sua Voz. Ele não o fará se eu eu lho disser. Agirá até mais determinantemente do que se  eu nada lhe disser. Tudo o que posso fazer é tentar, interpretando a Voz, induzir o paciente a comportar-se de um modo que seja menos pernicioso para ele e para a sociedade do que se ele obedecesse imediatamente à Voz, sem interpretação.

Por isso eu digo que, na atual situação, a única maneira de salvar a democracia no ocidente - e por ocidente quero dizer também a América - não é tentar para Hitler. Podem tentar desviá-lo, mas pará-lo será impossível sem a Grande Catástrofe para todos. A Voz de Hitler diz-lhe para unir o povo alemão e conduzi-lo a um melhor futuro, um lugar maior na Terra, uma posição de glória e riqueza. Vocês não podem impedi-lo de tentar isso. Só podem esperar influenciar a direção de sua expansão.

Eu digo, deixem-no ir para leste. Desviem a atenção dele do ocidente ou, melhor, encoragem-no a mantê-la desviada. Que vá para a Rússia. Essa é a cura lógica para Hitler.

Não creio que a Alemanha se satisfaça com um pedaço da África, pequeno ou grande. A Alemanha olha para a Inglaterra e a França, com seus opulentos impérios coloniais, e até para a Itália, com a sua Líbia e Etiópia, e pensa em seu próprio tamanho, 78 milhões de alemães contra 45 milhões de britânicos no Reino Unido, 42 milhões de franceses e 42 milhões de italianos, e pensará  forçosamente que devia ter um lugar no mundo não apenas tão grande quanto o ocupado por qualquer uma das outras três grandes potências ocidentais, mas muito maior. Como iria obter isso no ocidente, sem destruir uma ou mais das nações que hoje ocupam o ocidente? Só existe um campo onde a Alemanha pode operar e é a Rússia.

E o que acontece à Alemanha quando tentar ajustar contas com a Rússia?

Ah, isso é problema dela. O nosso interesse nisso é simplesmente que desse modo o ocidente será salvo. Nunca ninguém mordeu a Rússia sem se lamentar amargamente. Não é um dos alimentos mais agradáveis. É possível que os alemães levem uns cem anos para digeri-lo. Entrementes, nós estaríamos salvos e, quando digo nós, refiro-me a toda a civilização ocidental.

O instinto deve dizer aos estadistas ocidentais para não cutucarem a Alemanha em seu atual estado de espírito. Ela é perigosa demais. O instinto de Stalin estava correto quando lhe segredou que deixasse as nações ocidentais destruírem-se entre elas numa guerra, enquanto ele esperava para apanhar os ossos. Isso salvaria a União Soviética. Eu não creio que ele jamais tivesse entrado na guerra ao lado da Tchecoslováquia e França, exceto nos instantes finais, para se aproveitar da exaustão de ambos os lados.

Por isso digo, estudando a Alemanha como faria com um paciente, e a Europa como se fosse a família e os vizinhos de um paciente, deixem que ela invada a Rússia. Há terra de sobra - um sexto da superfície da Terra. Não afetaria a Rússia se alguém lhe tomasse uma fatia e, como disse, ninguém que até hoje tentou arrebatá-la prosperou nessas paragens.

Como salvar os Estados Unidos democráticos? Devem ser salvos, claro, ou então afundamo-nos todos. Vocês devem se manter afastados da contaminação, evitar a febre. Conservem um exército e uma marinha poderosos, mas poupem-nos. Se estourar a guerra, esperem.

Os Estados Unidos devem manter poderosas forças armadas para ajudar a manter o mundo em paz, ou para decidir a guerra, quando esta chegar. Vocês são o último reduto da democracia ocidental."

William McGuire e R:F:C. HUll, C. G. JUNG: Entrevistas e Encontros