"Que em meus
escritos fala um psicólogo sem igual é talvez a primeira constatação a que
chega um bom leitor – um leitor como eu o mereço, que me leia como os bons
filólogos de outrora liam o seu Horácio. As proposições sobre as quais no fundo
o mundo inteiro está de acordo – para não falar dos filósofos de todo mundo,
dos moralistas e outros cabeças ocas, cabeças de repolho – aparecem em mim como
ingenuidades do erro: por exemplo, a crença de que “altruísta” e “egoísta” são
opostos, quando o ego não passa de um
“embuste superior”, um “ideal” ... Não
existem acões egoístas, nem altruístas:
ambos os conceitos são um contra-senso psicológico. Ou a proposição: “o homem
busca a felicidade” ... Ou “a felicidade é o prêmio da virtude” ... Ou “prazer
e desprazer são opostos”... A Circe da humanidade, a moral, falsificou no cerne
– moralizou – todos os psychologica, até chegar ao horrendo
absurdo de que o amor deve ser algo “altruísta”... É preciso estar firmemente
assentado em si, é preciso
sustentar-se bravamente sobre as duas pernas, caso contrário não se pode absolutamente amar. Isso sabem
as mulherezinhas muito bem, afinal: não sabem que diabo fazer com homens
desisteressados, puramente objetivos... Posso, aliás, arriscar a suposição de
que conheço as mulherezinhas? É parte de meu dom
dionisíaco. Quem sabe? Talvez eu seja o primeiro psicólogo do eterno-femin ino.
Todas elas me amam – uma velha história: excetuando as mulherezinhas vitimadas, as “emancipadas”, as não
aparelhadas para ter filhos. – Felizmente não estou disposto a deixar-me
despedaçar: a mulher realizada despedaça quando ama... Eu conheço essas
adoráveis mênades... Ah, que perigoso, insinuante subterrâneo bichinho de
rapina! E tão agradável, além disso! Uma
pequena mulher correndo atrás de sua vingança seria capaz de atropelar o
próprio destino. - A mulher é
indizivelmente mais malvada que o homem, também mais sagaz; bondade na mulher é
já uma forma de degeneração ... No
fundo de todas as chamadas “almas belas” há um inconveniente psicológico – não digo
tudo, senão me tornaria medicínico. A
luta por direitos iguais é inclusive
um sintoma de doença: qualquer médico o sabe. – A mulher, quanto mais é mulher,
mais se defende com unhas e dentes contra os direitos em geral; o estado de
natureza, a eterna guerra entre os
sexos, dá-lhe de longe a primeira posição. – Houve ouvido0s para a minha
definição de amor? É a única digna de um filósofo. Amor – em seus meios a
guerra, em seu fundo o ódio de morte dos sexos. – Foi ouvida a minha resposta à
questão de como se cura – se “redime”
– uma mulher? Fazendo-lhe um filho. A mulher necessita de filhos, o homem é
sempre somente o meio; assim falou Zaratustra. – “Emancipação da mulher” – isso
é o ódio instintivo da mulher que não vinga, ou seja, não procria, à mulher que
vingou – a luta contra o “homem” é sempre apenas meio, pretexto, tática. Ao
elevarem a si mesmas , como “mulher em si”, como “mulher superior”, como “idealista
femin ina”, querem rebaixar a posição geral da mulher; nenhum meio mais seguro
para isso do que instrução secundária, calças e direitos políticos de gado
eleitoral. No fundo as emancipada são as
anarquistas do mundo do “eterno-feminino”,
as que fracassaram, cujo instinto mais básico é a vingança... Todo um gênero do
mais maligno “idealismo” – que aliás também ocorre em homens, por exemplo em
Henrik Ibsen, essa típica solteirona – tem o objetivo de envenenar a boa consciência, a natureza no amor sexual... E para
não deixar qualquer dúvida quanto às minhas convicções nesse ponto, tão
honestas quanto estritas, comunicarei mais uma sentença contra o vício extraída do meu código moral: sob
o nome de vício combato toda espécie de antinatureza, ou, para quem ama belas
palavras, idealismo. A sentença diz: “A pregação da castidade é um incitamento
público à antinatureza. Todo desprezo pela vida sexual, toda impurificação da
mesma através do conceito de ‘impuro’ é
o próprio crime contra a vida – é o autêntico pecado contra o santo espírito da
vida”.-"
Ecce homo, Friederich Nietzsche