Laços de sangue não garantem parentesco espiritual, é sabido; irmãos podem ser e frequentemente são tão diferentes entre si quanto são de completos estranhos, ainda que a ascendência comum e a convivência na infância e juventude determinem relações de grande afeto. Dos meus quatro irmãos (um irmão e três irmãs) posso dizer que fosse mais aparentada de uma das irmãs, morta há muito tempo, ela então com 34 anos e eu com 20, de modo que não tivemos muita oportunidade de desfrutar da proximidade de nossos pontos de observação do mundo, mesmo porque ela já tinha aprendido quase tudo e comido o pão que o diabo amassou, enquanto eu era ainda uma completa idiota.
Por outro lado, é fascinante que se possa conhecer na literatura gente - real ou ficcional - tão parecida com a gente mesma. Minha primeira experiência desse tipo deu-se quando conheci Paulo Honório, o coronel assassino personagem do romance São Bernardo; identifiquei-me de cara com essa criatura e desenvolvi por ela o que por mim mesma era uma mistura de nojo e forte comiseração. Mais tarde, quando li Infância e Memórias do Cárcere, concluí que eu e Paulo Honório tínhamos um terceiro irmão bastante afinado, o criador mesmo, Graciliano.
Das minhas experiências de conhecer irmãos pela literatura, nada se comparou até agora à que tive quando li, muito recentemente, "As pequenas virtudes" da Natália Ginzburg: deu-me vontade de sair mostrando às pessoas na rua: "olha só, podia ser minha avó, viveu e morreu do outro lado do mundo, mas é minha irmã, verdadeiramente minha irmã, e de algum ponto do universo segue falando comigo".