quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
sexta-feira, 8 de dezembro de 2017
pequena homenagem a um jovem ator
“Impressões do
teatro
Para mim, o mais
importante na tragédia é o sexto ato:
o ressuscitar dos
mortos das cenas de batalha,
o ajeitar das
perucas e dos trajes,
a faca arrancada
do peito,
a corda tirada do
pescoço,
o perfilar-se
entre os vivos
de frente para o
público.
As reverências
individuais e coletivas:
a mão pálida
sobre o peito ferido,
as mesuras da
suicida
o acenar da
cabeça cortada.
As reverências em
pares:
a fúria dá o
braço à brandura,
a vítima lança um
olhar doce ao carrasco,
o rebelde caminha
sem rancor ao lado do tirano.
O pisar na
eternidade com a ponta da botina dourada.
A moral varrida
com a aba do chapéu.
A incorrigível
disposição de amanhã começar de novo.
A entrada em
fileira dos que morreram muito antes,
nos atos três e
quatro, ou nos entreatos.
A volta milagrosa
dos que sumiram sem vestígios.
Pensar que,
pacientes, esperavam nos bastidores
sem tirar os
trajes,
sem remover a
maquiagem,
me comove mais
que as tiradas da tragédia.
Mas o mais
sublime é o baixar da cortina
e o que ainda se
avista pela fresta:
aqui uma mão se
estende para pegar as flores,
acolá outra
apanha a espada caída.
Por fim uma
terceira mão, invisível,
cumpre o seu
dever:
me aperta a
garganta.”
Wislawa
Szymborska In Poemas, (seleção e tradução de Regina Przybycien), Companhia das Letras, 2011
sábado, 25 de novembro de 2017
um conto dentro do romance
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Ora, quando esse caso estranho foi levado à ré, o carpinteiro recebeu ordens de atender às vontades de Queequeg, quaisquer que fossem suas implicações. Havia a bordo uma velha madeira pagã, cor de caixão, que, no decurso de uma longa viagem anterior, havia sido cortada nos bosques nativos das ilhas Laquedivas, e dessas tábuas escuras recomendou-se que o caixão fosse feito. Não tardou mais o carpinteiro a receber a ordem do que, tomando a régua, encaminhar-se com toda a indiferente presteza que o caracterizava para o castelo de proa e tomar as medidas de Queequeg com muita perícia, tracejando regularmente o giz na pessoa do arpoador enquanto movia a régua.
[...]
De volta à sua bancada, o carpinteiro, por comodidade ou referência geral, transferiu-lhe o exato comprimento que o caixão deveria ter, e então tornou permanente essa transferência, talhando duas fendas nas extremidades. Feito isso, enfileirou tábuas e ferramentas e pôs-se a trabalhar.
Quando o último prego foi cravado, e a tampa devidamente aplainada e ajustada, o carpinteiro levou o caixão aos ombros sem esforço e seguiu com ele à frente, perguntando se ali já estavam prontos para usá-lo.
Ouvindo os gritos indignados, porém um tanto engraçados, com que as pessoas do convés empurravam o caixão para longe de si, Queequeg, para a consternação geral, ordenou que o objeto fosse imediatamente trazido até ele, e não houve quem o negasse; visto que, de todos os mortais, certos moribundos são os mais tirânicos; e, sem dúvida, uma vez que em pouco tempo eles nos darão tão pouco trabalho para sempre, os caprichos dos pobres diabos devem ser atendidos.
Debruçando-se na beira da rede, Queequeg demorou-se a contemplar o caixão com olhares atentos. Pediu então seu arpão, fez com que lhe tirassem o cabo de madeira e então ordenou que colocassem a parte metálica no caixão junto a um dos remos de seu bote. Ainda segundo sua vontade, foram espalhados biscoitos por toda sua volta interna: um frasco de água doce foi depositado à cabeceira, e um saquinho de pó de madeira lixada do porão posto a seus pés; e, sendo um pedaço de lona de vela enrolado à guisa de travesseiro, Queequeg apelou para que fosse levado a seu último leito, para poder experimentar de sua comodidade, se é que havia. Ficou ali deitado sem se mover por alguns minutos e então pediu para que alguém fosse a seu embornal e lhe trouxesse seu pequeno deus, Yojo. Então, cruzando os braços sobre o peito com Yojo entre eles, solicitou que a tampa do caixão (chamou-a de escotilha) fosse colocada sobre ele. A extremidade da cabeça abria-se com uma dobradiça de couro e ali Queequeg permaneceu, deitado em seu caixão, mostrando um pouco de seu semblante sereno. “Rarmai” (serve; é confortável), murmurou por fim, e fez sinal para que o recolocassem na rede.
[...]
Porém, agora que ele aparentemente havia encerrado todos os preparativos para a morte; agora que o caixão se mostrava bem adaptado, Queequeg subitamente se recobrou; logo parecia não haver mais necessidade da caixa do carpinteiro; e, daí que, quando alguém expressava sua alegre surpresa, ele respondia, em substância, que a causa de sua repentina convalescença era a seguinte – em um momento crítico, lembrara-se de uma pequena obrigação, que havia ficado pendente em terra; daí que mudara de ideia sobre morrer: ainda não podia morrer, declarou. Perguntaram-lhe, então, se viver ou morrer era uma questão de seu desejo e prazer soberanos. Certamente, respondeu. Resumindo, era do pensamento de Queequeg acreditar que, se um homem decidisse viver, uma simples doença não poderia matá-lo: nada, exceto uma baleia, uma tormenta, ou qualquer força destrutiva violenta, estúpida e ingovernável dessa natureza.
Ora, existe uma diferença digna de nota entre os selvagens e os civilizados; enquanto, digamos, um doente civilizado pode passar seis meses convalescendo, um doente selvagem pode ficar quase curado em um dia. Assim, em boa hora, meu Queequeg recuperou sua força; e depois de ter permanecido sentado ao molinete por uns poucos dias indolentes (mas comendo com apetite vigoroso), de repente pôs-se de pé, esticou os braços e as pernas, alongou-se bem, bocejou um pouquinho e então, saltando para a proa de seu bote suspenso, e brandindo o arpão, declarou estar pronto para a luta.
Com uma selvagem extravagância, servia-se agora do caixão como arca; e, retirando as roupas de seu embornal de lona, arrumou-as ali. Passou muitas horas de folga entalhando a tampa com todo o tipo de figuras e desenhos grotescos; e parecia desse modo empenhado, segundo sua rudeza de modos, em copiar partes da intricada tatuagem de seu corpo. E essa tatuagem fora obra de um finado profeta e vidente de sua ilha, o qual, mediante tais sinais hieroglíficos, escrevera em seu corpo uma teoria completa dos céus e da terra e um tratado místico sobre a arte de alcançar a verdade; de modo que Queequeg, por seu próprio corpo, era um enigma a ser decifrado; uma maravilhosa obra em um volume; mas cujos mistérios nem mesmo ele próprio podia ler, ainda que seu próprio coração pulsante batesse contra eles; e esses mistérios estivessem, portanto, destinados a se desfazer no pó do pergaminho vivo em que estavam inscritos e ficar sem solução até o fim. E deve ter sido esse pensamento que sugeriu a Ahab aquela sua furiosa exclamação, quando certa manhã ele retornava da visita ao pobre Queequeg – “Oh, diabólica tentação dos deuses!“.”
Herman Melville, In Moby Dick.
sábado, 18 de novembro de 2017
Ainda no encalço da baleia
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Herman Melville (na belíssima tradução de Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza), In Moby Dick
terça-feira, 26 de setembro de 2017
sexta-feira, 1 de setembro de 2017
uma página soberba
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“Mas aqui quero aliviar minha
consciência e admitir com sinceridade que eu não era um vigia muito bom. Com o
problema do universo revolvendo em minha cabeça, como poderia eu – estando
totalmente sozinho numa altitude tão propícia a pensamentos -, como poderia eu
cumprir, senão levianamente, a obrigação de cumprir todas as ordens do navio
baleeiro, “Mantenha os olhos bem abertos e sinalize tudo o que avistar”.
Deixai-me solenemente preveni-los
aqui, proprietários de navios de Nantucket! Ao alistar vigilantes em suas
pescarias, estai atentos a qualquer rapaz de rosto magro e olhos côncavos,
propenso a meditações impróprias, e que se propõe de embarcar com o Fédon em lugar dos ensinamentos náuticos
de Bowditch na cabeça. Cuidado com esse tipo, eu digo: as baleias devem ser
avistadas antes de serem mortas; e esse jovem platônico de olhos fundos
arrastará vosso barco dez vezes ao redor do mundo e não vos tornará um
quartilho de espermacete mais ricos. Essas advertências não são desnecessárias.
Pois nos dias de hoje a pesca da baleia oferece refúgio para muitos jovens
românticos, melancólicos e distraídos, desgostosos das maçantes
responsabilidades da terra, que saem em busca de emoção na gordura e no
alcatrão. Childe Harold não raro se empoleira no topo do mastro de algum navio
baleeiro desafortunado e declama com melancolia: -
“Desliza, oceano profundo e azul,
desliza!
Em vão dez mil caçadores de gordura te vasculham.”
Em vão dez mil caçadores de gordura te vasculham.”
É frequente que esses capitães chamem a atenção desses
jovens e avoados filósofos, censurando-os
por não se mostrarem devidamente “interessados” na viagem; como que sugerindo
que estão de tal modo perdidos e desenganados para toda ambição honrada que, do
fundo do coração, prefeririam qualquer coisa a avistar as baleias. Mas tudo é
inútil; esses jovens platônicos sabem que sua visão é imperfeita; eles são
míopes; de que adianta, então, forçar o nervo óptico? Deixaram seus binóculos
de ópera em casa.
“Mas seu
vadio”, disse um arpoador a um desses rapazes, “já estamos viajando há três
anos e tu ainda não avistaste nenhuma baleia. As baleias são tão raras quanto
os dentes da galinha quando estás aqui em cima.” Talvez fossem mesmo; ou talvez
houvesse um bando delas no horizonte distante, mas esse jovem distraído é de
tal modo embalado pela cadência de ondas e pensamentos imiscuídos que, na
letargia opiácea de um vago e apático devaneio, perde, por fim, sua identidade;
toma o místico oceano a seus pés pela imagem visível da alma infinita, azul e
profunda, que penetra humanidade e natureza; e tudo o que é belo, estranho,
imprevisto e deslizante, toda barbatana de forma indiscernível que se erga,
parece-lhe a materialização dos pensamentos ilusórios que povoam a alma,
movendo-se continuamente por ela. Nesse enlevo, teu espírito segue as correntes
rumo ao lugar de onde veio; torna-se difuso pelo tempo e pelo espaço; como as
cinzas panteísticas de Cranmer espalhadas, formando por fim uma parte das
praias do globo terrestre.
Não há vida em
ti, agora, exceto a vida concedida pelo gentil navio que balança; por ele,
tomada ao mar; pelo mar, às inescrutáveis marés de Deus. Mas enquanto esse
sono, esse sonho está em ti, mexe um pouco teu pé ou tua mão, solta-te
completamente; e tua identidade retornará com terror. Estás suspenso sobre
vórtices cartesianos. E talvez, ao meio dia, quando o tempo é mais belo, com um
grito meio sufocado, caias através desse ar transparente no mar estival, para
jamais voltar à superfície. Prestai muita atenção, vós, panteístas!”.
MELVILLE, Herman. Moby Dick. COSAC NAIFY, São Paulo SP, 2016
quarta-feira, 30 de agosto de 2017
sábado, 19 de agosto de 2017
segunda-feira, 7 de agosto de 2017
"O artista inconfessável"*
"
Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre o fazer e o não fazer
mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil:nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e dificil-
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém."
*João Cabral de Melo Neto.
Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre o fazer e o não fazer
mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil:nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e dificil-
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém."
*João Cabral de Melo Neto.
quarta-feira, 28 de junho de 2017
quinta-feira, 23 de março de 2017
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017
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