“Impressões do
teatro
Para mim, o mais
importante na tragédia é o sexto ato:
o ressuscitar dos
mortos das cenas de batalha,
o ajeitar das
perucas e dos trajes,
a faca arrancada
do peito,
a corda tirada do
pescoço,
o perfilar-se
entre os vivos
de frente para o
público.
As reverências
individuais e coletivas:
a mão pálida
sobre o peito ferido,
as mesuras da
suicida
o acenar da
cabeça cortada.
As reverências em
pares:
a fúria dá o
braço à brandura,
a vítima lança um
olhar doce ao carrasco,
o rebelde caminha
sem rancor ao lado do tirano.
O pisar na
eternidade com a ponta da botina dourada.
A moral varrida
com a aba do chapéu.
A incorrigível
disposição de amanhã começar de novo.
A entrada em
fileira dos que morreram muito antes,
nos atos três e
quatro, ou nos entreatos.
A volta milagrosa
dos que sumiram sem vestígios.
Pensar que,
pacientes, esperavam nos bastidores
sem tirar os
trajes,
sem remover a
maquiagem,
me comove mais
que as tiradas da tragédia.
Mas o mais
sublime é o baixar da cortina
e o que ainda se
avista pela fresta:
aqui uma mão se
estende para pegar as flores,
acolá outra
apanha a espada caída.
Por fim uma
terceira mão, invisível,
cumpre o seu
dever:
me aperta a
garganta.”
Wislawa
Szymborska In Poemas, (seleção e tradução de Regina Przybycien), Companhia das Letras, 2011
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