segunda-feira, 18 de outubro de 2010

três poemas de Alberto Martins



1) Na padadaria com Flávio Di Giorgi

quando Horácio encontrou uma ânfora
com vinho fabricado
no ano de seu nascimento
`
"Ó tu, nascido comigo
quando Mânlio era cônsul..."

bebeu com júbilo
o vinho de sua infância

- dois mil anos mais tarde
Flávio sorve o café
no balcão de fórmica da padaria
canta de novo esses versos
depois sobe lentamente a ladeira de casa


2) Vira-lata

passa a maior parte do dia
no quintal
entre o corredor
e a porta da cozinha.
À noite quando sai
leva debaixo do pelo
a corrente de metal.
Finge que não dói.
Às vezes escapa
pela porta entreaberta
mas sempre volta.
Esfrega no chão
o corpo diminuído
e me olha fundo
mais fundo que um irmão.


3) Inutilidades domésticas

joguei no lixo
a velha fechadura
do quarto das crianças

as portas
que ela trancou
e abriu
os risos que ouviu
não ouviu
agora são - lembranças

só as chaves não sabem
e vagam pela casa
de gaveta em gaveta

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