quarta-feira, 6 de abril de 2011

"Resposta a Jó"


Infelizmente Jung não se deixa ler tão facilmente como Freud, de quem é discípulo sabido e confesso e a quem rende as devidas homenagens. Digo infelizmente em parte porque o claríssimo Freud, pelo muito pouco que conheço dele, não me interessa absolutamente. Pelo pouco que sei, repito, penso que as idéias de Jung, ao contrário do que pensam os que torcem o nariz para o seu “misticismo”, são mais avançadas do que as do mestre. Eu diria que seu pensamento chega mesmo a ser bastante afinado com o que há de mais moderno na física, e não só por uma ou outra referência mais ou menos explícita: a idéia do inconsciente coletivo, por exemplo, não parece ter forte parentesco com a idéia da natureza ondulatória (e ao mesmo tempo “discreta”*) da matéria/energia?
Voltando ao “infelizmente”: ô homem difícil de entender. Tenho que voltar inúmeras vezes ao mesmo ponto, talvez porque eu não domine seus pressupostos, talvez porque ele caprichosamente goste mesmo de manter um certo hermetismo.
Mas deste “Resposta a Jó”, eu penso que descasquei quase que noventa por cento. Trata-se, grosso modo, do entendimento do advento do Cristo, da encarnação divina, como evento deflagrado pelo conhecido episódio de Jó no antigo testamento. Mais ou menos explico: a sujeição de Jó, o mais fiel e amoroso entre os amorosos fiéis a toda sorte de sofrimento moral e físico - com requintadíssima crueldade – por Jeová, por conta de uma aposta leviana deste com Satanás, resulta num surpreendente (para Jeová) apequenamento do Criador diante da criatura. É necessária uma reparação e esta se dá justamente pela encarnação do Deus, pela dolorosa experimentação por Deus da paixão humana.
É útil saber que embora admitindo que uma certa Totalidade (um Arquétipo, o próprio Deus, em última análise) habite o inconsciente humano, Jung considera os textos das sagradas escrituras como projeções da mente humana, não uma verdade imutável, uma palavra definitiva.
Eu, quando criança, freqüentei (muito pouco) meio por inércia a igreja católica e não podia deixar de me perguntar o que seria a tal “salvação” em Cristo, se, ao que tudo indicava, absolutamente nada havia mudado sobre a face da Terra. Mais tarde elaborei minha própria teoria, muito parecida com a de Jung: a de que a salvação estava no reconhecimento por Deus (após a experiência da paixão) de que a condição humana é tão dolorosa, que o homem está, em princípio, perdoado de suas fraquezas.
Em tempo: não sou religiosa; apenas acho a “personagem Cristo” extremamente interessante.

*digo “discreta” no sentido da física, que se refere a grandeza de natureza particular = não contínua.

Um comentário:

  1. Ayde, sobre Cristo e o Cristianismo ficou indelével na minha memória o que disse em uma entrevista o pintor Emeric Marcier. Quando perguntado se era cristão — pois um dos seus temas na pintura era a via crucis — ele respondeu: "Sou, de uma maneira herética: Somos todos Cristos". Não tive dúvida de que ele queria dizer que somos todos criaturas destinadas ao sofrimento.
    Abraço
    Edgard

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