sexta-feira, 4 de maio de 2012

"A alma e a morte 6"

[...continuação]
"A natureza da psique mergulha em obscuridades, para além dos limites de nossas categorias intelectuais. A alma encerra tantos mistérios quanto o mundo com seus sistemas de galáxias diante de cujas majestosas configurações só um espírito desprovido de imaginação é capaz de negar suas próprias insuficiências. Esta extrema incerteza da compreensão humana nos mostra que o estardalhaço iluminista é não somente ridículo, como também lamentavelmente estúpido. Se alguém, portanto, extraísse da necessidade do próprio coração, ou da concordância com as lições da antiga sabedoria da humanidade, ou do fato psicológico de que ocorrem percepções “telepáticas”, a conclusão de que a psique participa, em suas camadas mais profundas, de uma forma de existência transespacial e transtemporal e que, por conseqüência, pertence àquilo que inadequada e simbolicamente é designado pelo nome de “eternidade”, o único argumento que a razão crítica lhe poderia opor seria o non liquet (não está provado) da ciência. Tal pessoa, além disso, possuiria a inestimável vantagem de estar de acordo com a inclinação presente na psique humana desde tempos imemoriais e universalmente existente. Quem por ceticismo, rebeldia contra a tradição, falta de coragem ou insuficiente experiência psicológica ou ignorância cega não extrai esta conclusão, tem muito pouca chance, estatisticamente falando, de ser um pioneiro do espírito, embora esteja firmemente cero de entrar em conflito com as verdades do próprio sangue. No fundo, jamais conseguiremos provar que tais verdades sejam ou não absolutas. É suficiente, porém, que elas existam como indicações da psique, e sabemos demais o que seja entrar levianamente em choque com essas “verdades”. Equivale à negação consciente dos instintos, isto é, a um desenraizamento, a uma desorientação, à falta de sentido da existência, ou que outros nomes possam ter estes sintomas de inferioridade. Um dos erros sociológicos e psicológicos mais fatais de que nossa época é tão rica, foi o de pensar, muitas vezes, que alguma coisa pode mudar de um momento para outro, por exemplo: que a natureza do homem pode mudar radicalmente, ou que podemos descobrir uma fórmula ou ma verdade que seja um começo inteiramente novo etc. Qualquer mudança essencial ou mesmo uma simples melhoria significa um milagre. O distanciamento das verdades do sangue produz uma agitação neurótica cujos exemplos abundam em nossos dias. Esta agitação, por sua vez, gera a falta de sentido da existência, falta esta que é uma enfermidade psíquica cuja amplidão e alcance total nossa época ainda não percebeu."*

JUNG, C.G.  In A natureza da psique, Ed. Vozes, Petrópolis, 2011.

2 comentários:

  1. Nossa, com que prazer leio esses excertos. E rio do racionalismo cientificista de hoje. Abraço

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  2. Carlos, é espantoso como esse cara tem coisa interessante para dizer. Para os artistas como você, então, é como uma confeitaria para um glutão. Você conhece o "Memórias, Sonhos, Reflexões"?
    Um abraço.

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