quarta-feira, 2 de maio de 2012

"A alma e a morte" 5

[...continuação]
"Saber de que modo se deve, afinal, interpretar estas experiências é um problema que supera a competência de uma ciência empírica e ultrapassa nossas capacidades intelectuais, pois, para se chegar a uma conclusão, é preciso que se tenha necessariamente também a experiência real da morte. Este acontecimento, infelizmente, coloca o observador numa situação que lhe torna impossível transmitir uma informação objetiva de sua experiência e das conclusões daí resultantes.
A consciência se move dentro de estreitos limites, dentro do curto espaço de tempo entre seu começo e seu fim, encurtado ainda mais em cerca de um terço por períodos de sono. A vida do corpo dura um pouco mais, começa sempre mais cedo e, muitas vezes, só cessa depois da consciência. Começo e fim são aspectos inevitáveis de todos os processos. Todavia, se examinarmos de perto, verificamos que é extremamente difícil indicar onde começa e onde termina um processo, porque os acontecimentos e os processos, os começos e os fins constituem, no fundo, um contínuo indivisível. Distinguimos os processos uns dos outros, com o fim de defini-los e conhece-los melhor, mas, no fundo, sabemos que toda divisão é arbitrária e convencional. Este procedimento não interfere no contínuo do processo mundano porque “começo” e “fim” são, antes e acima de tudo, necessidades do processo de conhecimento consciente. Podemos certamente afirmar, com bastante certeza, que uma consciência individual chegou ao fim enquanto relacionada conosco. Mas não é de todo certo se isto interrompe a continuidade do processo psíquico, porque hoje em dia não se pode afirmar a ligação da psique com o cérebro, com tanta certeza quanto há cinqüenta anos[U1] . Primeiro que tudo, a Psicologia precisa ainda de digerir certos fatos parapsicológicos, o que não fez até agora.
Quer dizer, parece que a psique inconsciente possui qualidades que projetam uma luz inteiramente singular sobre sua relação com o espaço e o tempo. Refiro-me aos fenômenos telepáticos espaciais e temporais que, como sabemos, é mais fácil ignorar do que explicar. Sob este aspecto a ciência até agora escolheu (com bem poucas exceções) o caminho mais cômodo, que é o de ignora-los. Devo, porém, confessar que as chamadas capacidades telepáticas me causaram muita dor de cabeça, porque a palavra-chave “telepatia” longe está de explicar o que quer que seja. A limitação da consciência no tempo e no espaço é uma realidade tão avassaladora, que qualquer desvio desta verdade fundamental é um acontecimento da mais alta significação teórica, pois provaria que a limitação no tempo e no espaço é uma determinante que pode ser anulada. O fator anulador seria a psique, porque o atributo espaço-tempo se ligaria a ela, consequentemente, no máximo como qualidade relativa e condicionada. Em determinadas circunstâncias, contudo, ela poderia romper a barreira do tempo e do espaço, precisamente por causa de uma qualidade que lhe é essencial, ou seja, sua natureza transespacial e transtemporal. Essa possibilidade de transcender o tempo o e espaço, que me parece muito lógica, é de tão grande alcance, que estimularia o espírito de pesquisa ao maior esforço possível. O desenvolvimento atual de nossa consciência, contudo, está tão atrasado (as exceções confirmam a regra!) que, em geral, falta-nos ainda o instrumental científico e intelectual para avaliar adequadamente os fatos da telepatia quanto à sua importância para o conhecimento da natureza da psique. Refiro-me a este grupo de fenômenos, simplesmente para indicar que a ligação da psique com o cérebro, isto é, sua limitação no espaço e no tempo, não é tão evidente nem tão indiscutível como até agora nos têm feito acreditar.
Quem conhece, um mínimo que seja, o material psicológico já existente e suficientemente testado, sabe muito bem que os chamados fenômenos telepáticos são fatos inegáveis. Um exame crítico e objetivo dos dados disponíveis nos permite verificar que alguma dessas percepções ocorrem de tal maneira, como se não existisse o fator espaço, e outras como se não houvesse o fator tempo. Naturalmente não podemos tirar daí a conclusão metafísica de que no mundo das coisas “em si” não há espaço nem tempo, e que, consequentemente, a mente humana se acha implicada na categoria espaço-tempo como em uma ilusão nebulosa[U2] . Pelo contrário, verifica-se que o espaço e o tempo são não apenas as certezas mais imediatas e mais primitivas para nós, como são também empiricamente observáveis, porque tudo o que é perceptível acontece como se estivesse no tempo e no espaço. Em vista desta certeza avassaladora, é compreensível que a razão sinta a maior dificuldade em admitir a validade da natureza peculiar dos fenômenos telepáticos. Mas quem fizer justiça aos fatos não pode deixar de admitir que sua aparente in dependência em relação ao espaço e ao tempo é sua qualidade mais essencial. Em suma, nossas percepções ingênuas e nossas certezas mais imediatas não são, estritamente falando, mais do que evidências de uma forma de intuição psíquica a priori que exclui qualquer outra forma. O fato de sermos totalmente incapazes de imaginar uma forma de existir independente do tempo e do espaço não prova absolutamente que tal existência seja impossível. E da mesma forma como de uma aparente independência em relação ao espaço e ao tempo não podemos tirar a conclusão absoluta quanto à realidade de uma forma de existência independente do espaço e do tempo, assim também não nos é permitido concluir , a partir do caráter aparentemente espacial e temporal de nossas percepções, que uma existência  independente em relação ao espaçoe ao tempo é impossível.. Em vista dos dados fornecidos pela experiência, não somente nos é permitido, mas é imperioso duvidar da validez de nossa percepção espacial-temporal. A possibilidade hipotética de que a psique toque também em uma forma de existência independente em relação ao espaço e ao tempo constitui um ponto de interrogação que deve ser levado a sério, pelo menos por enquanto. As idéias e as dúvidas de nossos físicos modernos devem aconselhar aos psicólogos a serem prudentes, porque o que significa, filosoficamente falando, “a limitação do espaço” senão uma relativização da categoria espaço? Algo de semelhante pode facilmente acontecer com a categoria tempo (como também com a causalidade). As dúvidas a este respeito, hoje em dia, têm menos fundamento do que as de outrora[U3] ."*
[continua...]

JUNG, C.G. In A natureza da psique, Ed. Voze, Petrópolis, 2011.


 [U1]Provavelmente hoje ele pensaria diferente

 [U2]Eu, pessoalmente, acho que esta é uma hipótese perfeitamente defensável.

 [U3]Jung certamente acompanhou o desenvolvimento da física moderna a partir da virada dos séculos XIX/XX e ficou encantado com a forma “herética” com que esta sondava a Natureza, em oposição à física clássica. Chegou emsmo a desenvolver um trabalho (Sincronicidade) junto com um físico queue foi seu paciente.


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