[...continuação]
"Saber de que modo se deve, afinal, interpretar estas
experiências é um problema que supera a competência de uma ciência empírica e
ultrapassa nossas capacidades intelectuais, pois, para se chegar a uma
conclusão, é preciso que se tenha necessariamente também a experiência real da
morte. Este acontecimento, infelizmente, coloca o observador numa situação que
lhe torna impossível transmitir uma informação objetiva de sua experiência e
das conclusões daí resultantes.
A consciência se move dentro de estreitos limites, dentro do
curto espaço de tempo entre seu começo e seu fim, encurtado ainda mais em cerca
de um terço por períodos de sono. A vida do corpo dura um pouco mais, começa
sempre mais cedo e, muitas vezes, só cessa depois da consciência. Começo e fim
são aspectos inevitáveis de todos os processos. Todavia, se examinarmos de
perto, verificamos que é extremamente difícil indicar onde começa e onde
termina um processo, porque os acontecimentos e os processos, os começos e os
fins constituem, no fundo, um contínuo indivisível. Distinguimos os processos
uns dos outros, com o fim de defini-los e conhece-los melhor, mas, no fundo,
sabemos que toda divisão é arbitrária e convencional. Este procedimento não
interfere no contínuo do processo mundano porque “começo” e “fim” são, antes e
acima de tudo, necessidades do processo de conhecimento consciente. Podemos
certamente afirmar, com bastante certeza, que uma consciência individual chegou
ao fim enquanto relacionada conosco. Mas não é de todo certo se isto interrompe
a continuidade do processo psíquico, porque hoje em dia não se pode afirmar a
ligação da psique com o cérebro, com tanta certeza quanto há cinqüenta anos[U1] .
Primeiro que tudo, a Psicologia precisa ainda de digerir certos fatos
parapsicológicos, o que não fez até agora.
Quer dizer, parece que a psique inconsciente possui
qualidades que projetam uma luz inteiramente singular sobre sua relação com o
espaço e o tempo. Refiro-me aos fenômenos telepáticos espaciais e temporais
que, como sabemos, é mais fácil ignorar do que explicar. Sob este aspecto a
ciência até agora escolheu (com bem poucas exceções) o caminho mais cômodo, que
é o de ignora-los. Devo, porém, confessar que as chamadas capacidades
telepáticas me causaram muita dor de cabeça, porque a palavra-chave “telepatia”
longe está de explicar o que quer que seja. A limitação da consciência no tempo
e no espaço é uma realidade tão avassaladora, que qualquer desvio desta verdade
fundamental é um acontecimento da mais alta significação teórica, pois provaria
que a limitação no tempo e no espaço é uma determinante que pode ser anulada. O
fator anulador seria a psique, porque o atributo espaço-tempo se ligaria a ela,
consequentemente, no máximo como qualidade relativa e condicionada. Em
determinadas circunstâncias, contudo, ela poderia romper a barreira do tempo e
do espaço, precisamente por causa de uma qualidade que lhe é essencial, ou
seja, sua natureza transespacial e transtemporal. Essa possibilidade de
transcender o tempo o e espaço, que me parece muito lógica, é de tão grande
alcance, que estimularia o espírito de pesquisa ao maior esforço possível. O
desenvolvimento atual de nossa consciência, contudo, está tão atrasado (as
exceções confirmam a regra!) que, em geral, falta-nos ainda o instrumental
científico e intelectual para avaliar adequadamente os fatos da telepatia
quanto à sua importância para o conhecimento da natureza da psique. Refiro-me a
este grupo de fenômenos, simplesmente para indicar que a ligação da psique com
o cérebro, isto é, sua limitação no espaço e no tempo, não é tão evidente nem
tão indiscutível como até agora nos têm feito acreditar.
Quem conhece, um mínimo que seja, o material psicológico já
existente e suficientemente testado, sabe muito bem que os chamados fenômenos
telepáticos são fatos inegáveis. Um exame crítico e objetivo dos dados
disponíveis nos permite verificar que alguma dessas percepções ocorrem de tal
maneira, como se não existisse o fator espaço, e outras como se não houvesse o
fator tempo. Naturalmente não podemos tirar daí a conclusão metafísica de que
no mundo das coisas “em si” não há espaço nem tempo, e que, consequentemente, a
mente humana se acha implicada na categoria espaço-tempo como em uma ilusão nebulosa[U2] .
Pelo contrário, verifica-se que o espaço e o tempo são não apenas as certezas
mais imediatas e mais primitivas para nós, como são também empiricamente
observáveis, porque tudo o que é perceptível acontece como se estivesse no
tempo e no espaço. Em vista desta certeza avassaladora, é compreensível que a
razão sinta a maior dificuldade em admitir a validade da natureza peculiar dos
fenômenos telepáticos. Mas quem fizer justiça aos fatos não pode deixar de
admitir que sua aparente in dependência em relação ao espaço e ao tempo é sua
qualidade mais essencial. Em suma, nossas percepções ingênuas e nossas certezas
mais imediatas não são, estritamente falando, mais do que evidências de uma
forma de intuição psíquica a priori
que exclui qualquer outra forma. O fato de sermos totalmente incapazes de
imaginar uma forma de existir independente do tempo e do espaço não prova
absolutamente que tal existência seja impossível. E da mesma forma como de uma
aparente independência em relação ao espaço e ao tempo não podemos tirar a
conclusão absoluta quanto à realidade de uma forma de existência independente
do espaço e do tempo, assim também não nos é permitido concluir , a partir do
caráter aparentemente espacial e temporal de nossas percepções, que uma
existência independente em relação ao
espaçoe ao tempo é impossível.. Em vista dos dados fornecidos pela experiência,
não somente nos é permitido, mas é imperioso duvidar da validez de nossa
percepção espacial-temporal. A possibilidade hipotética de que a psique toque
também em uma forma de existência independente em relação ao espaço e ao tempo
constitui um ponto de interrogação que deve ser levado a sério, pelo menos por
enquanto. As idéias e as dúvidas de nossos físicos modernos devem aconselhar
aos psicólogos a serem prudentes, porque o que significa, filosoficamente
falando, “a limitação do espaço” senão uma relativização da categoria espaço?
Algo de semelhante pode facilmente acontecer com a categoria tempo (como também
com a causalidade). As dúvidas a este respeito, hoje em dia, têm menos
fundamento do que as de outrora[U3] ."*
[continua...]
JUNG, C.G. In A natureza da psique, Ed. Voze, Petrópolis, 2011.
[U3]Jung
certamente acompanhou o desenvolvimento da física moderna a partir da virada
dos séculos XIX/XX e ficou encantado com a forma “herética” com que esta
sondava a Natureza, em oposição à física clássica. Chegou emsmo a desenvolver
um trabalho (Sincronicidade) junto com um físico queue foi seu paciente.
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