domingo, 6 de dezembro de 2009

Absolutamente correto

Imagino que eu jamais vá conhecer outro caso tão exemplar de "não racismo" como o de meu filho mais velho. Em criança, quando por algum motivo queria se referir a um negro entre vários brancos, ele dizia, por exemplo, "aquele de roupa assim, boné de tal jeito, fazendo tal gesto, conversando com o fulano, etc.", quando seria mais certeiro se dissesse simplesmente "o negro". Era evidente que não se tratava nem de malícia de má consciência nem de receio do patrulhamento do chatíssimo politicamente correto dos dias de hoje, pois ele era ainda muito pequeno para tais coisas. Aprendi logo que a cor da pele era irrelevante para ele, mais que isso, algo que era absolutamente incapaz de notar. É claro que esse estado de pureza não podia durar para sempre, e, embora ele tenha permanecido sem nenhum preconceito, com o tempo foi aprendendo a perceber a diferença de cor, pelo menos quando não está distraído. Pois um dia eu estava assistindo a um filme, não me lembro qual, em que um ator negro, indiscutivelmente negro, fazia um papel qualquer, quando esse meu filho, praticamente adulto, chegou na sala. Depois de um bom tempo observando pensativo a cena, ele me sai com a seguinte pergunta: "Vem cá, esse ator aí não é o mesmo que "faz um negro" naquele filme ... Amistad"?

4 comentários:

  1. Que delícia essa história. Gostei também do marcador - flagrantes da vida real.
    beijos para o Pedro (que não é mais "inho")

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  2. Zazá,
    não sei se ainda foi do teu tempo, se você chegou a ler: "flagrantes da vida real" era uma seção da revista Seleções (Digest Readers), que eu adorava ler quando adolescente. Acho que a revista existe até hoje, mas não é mais saborosa como antigamente, ou eu é que acabei perdendo o jeito de gostar dela.

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  3. meu consultor para assuntos aleatórios disse que a revista era a "Reader's digest". É que eu tinha cá comigo que era "leituras digestivas", e meu ingrêis não é muito bom mesmo, é quase nada...hãhã...enfim...

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  4. Querida prima,
    aprendi que depois de certo tempo qualquer deslize nessas questões de "foi do teu tempo" pode ser fatal. Quando menos esperamos, a língua (coisinha que possui vida própria), solta um "virar a fita", "discar o número", "datilografar o texto", "ler o mapa" (uau), ...
    Mas, respondendo a tua pergunta, conheço a revista e a seção. Adoro ler as bem antigas (minha mãe resgatou vários números em um sebo de Ponta Grossa) Adoro os anúncios, os flagrantes e as piadas de caserna. Li uma atual e não achei a menor graça. Acho que as histórias estão estilo fast food, indigestas, portanto.

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