[continuação]
"A curva psicológica da vida, entretanto, recusa-se a se
conformar com estas leis da natureza. A discordância começa às vezes já antes,
na subida. Biologicamente, o projétil sobe, mas psicologicamente retarda.
Ficamos parados, por trás de nossos anos, agarrados à nossa infância, como se
não pudéssemos nos arrancar do chão. Paramos os ponteiros do relógio, e
imaginamos que o tempo se deteve. Se alcançamos finalmente o cume, mesmo com
algum atraso, psicologicamente nos sentamos aí para descansar, e embora nos sintamos
deslizar montanha abaixo, agarramo-nos, ainda que com olhares nostálgicos, ao
pico que outrora alcançamos; o medo que antigamente nos paralisava diante da
vida, agora nos paralisa diante da morte. E embora admitamos que foi o medo da
vida que retardou nossa subida, contudo, exigimos maior direito ainda de nos
determos no cume que acabamos de galgar, justamente por causa desse atraso.
Embora se torne evidente que a vida se afirmou, apesar de todas as nossas
resistências (agora profundamente lamentadas), não levamos esse fato em conta e
tentamos deter o curso da vida. Com isto, nossa psicologia perde a sua base
natural. Nossa consciência paira suspensa no ar, enquanto, embaixo, a parábola
da vida desce cada vez mais rapidamente.
A vida natural é o solo em que se nutre a alma. Quem não
consegue acompanhar essa vida, permanece enrijecido e parado em pleno ar. É por
isto que muitas pessoas se petrificam na idade madura, olham para trás e se
agarram ao passado, com um medo secreto da morte no coração. Subtraem-se ao
processo vital, pelo menos psicologicamente, e por isto ficam paradas como
colunas nostálgicas, com recordações muito vívidas do seu tempo de juventude,
mas sem nenhuma relação vital com o presente. Do meio da vida em diante, só
aquele que se dispõe a morrer conserva a vitalidade, porque na hora secreta do
meio-dia da vida se inverte a parábola e “nasce a morte”. A segunda metade da
vida não significa subida, expansão, crescimento, exuberância, mas morte,
porque seu alvo é o seu término. A recusa em aceitar a plenitude da vida
equivale a não aceitar o seu fim. Tanto uma coisa como a outra significam não
querer viver. E não querer viver é sinônimo de não querer morrer. A ascensão e
o declínio formam uma só curva.
Sempre que possível, nossa consciência recusa-se a aceitar
esta verdade inegável. Ordinariamente nos apegamos ao nosso passado e ficamos
presos à ilusão de nossa juventude. A velhice é sumamente impopular. Parece que
ninguém considera que a incapacidade de envelhecer é tão absurda quanto a incapacidade
de abandonar os sapatos de criança que traz nos pés. O homem de trinta anos
ainda com espírito infantil é certamente digno de lástima, mas um setuagenário
jovem não é delicioso? E, no entanto, ambos são pervertidos, desprovidos de
estilo, verdadeiras monstruosidades psicológicas. Um jovem que não luta nem
triunfa perdeu o melhor de sua juventude, e um velho que não sabe escutar os
segredos dos riachos que descem dos cumes das montanhas para os vales não tem
sentido, é uma múmia espiritual e não passa de uma relíquia petrificada do
passado. Está situado à margem da vida, repetindo-se mecanicamente até à última
banalidade. Pobre cultura aquela que necessita de tais fantasmas!"*
[continua]*JUNG, C.G., In A Natureza da psique, Editora Vozes, Petrópolis, 2011.
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