quarta-feira, 25 de abril de 2012

"A alma e a morte" 2

[continuação]
"A curva psicológica da vida, entretanto, recusa-se a se conformar com estas leis da natureza. A discordância começa às vezes já antes, na subida. Biologicamente, o projétil sobe, mas psicologicamente retarda. Ficamos parados, por trás de nossos anos, agarrados à nossa infância, como se não pudéssemos nos arrancar do chão. Paramos os ponteiros do relógio, e imaginamos que o tempo se deteve. Se alcançamos finalmente o cume, mesmo com algum atraso, psicologicamente nos sentamos aí para descansar, e embora nos sintamos deslizar montanha abaixo, agarramo-nos, ainda que com olhares nostálgicos, ao pico que outrora alcançamos; o medo que antigamente nos paralisava diante da vida, agora nos paralisa diante da morte. E embora admitamos que foi o medo da vida que retardou nossa subida, contudo, exigimos maior direito ainda de nos determos no cume que acabamos de galgar, justamente por causa desse atraso. Embora se torne evidente que a vida se afirmou, apesar de todas as nossas resistências (agora profundamente lamentadas), não levamos esse fato em conta e tentamos deter o curso da vida. Com isto, nossa psicologia perde a sua base natural. Nossa consciência paira suspensa no ar, enquanto, embaixo, a parábola da vida desce cada vez mais rapidamente.
A vida natural é o solo em que se nutre a alma. Quem não consegue acompanhar essa vida, permanece enrijecido e parado em pleno ar. É por isto que muitas pessoas se petrificam na idade madura, olham para trás e se agarram ao passado, com um medo secreto da morte no coração. Subtraem-se ao processo vital, pelo menos psicologicamente, e por isto ficam paradas como colunas nostálgicas, com recordações muito vívidas do seu tempo de juventude, mas sem nenhuma relação vital com o presente. Do meio da vida em diante, só aquele que se dispõe a morrer conserva a vitalidade, porque na hora secreta do meio-dia da vida se inverte a parábola e “nasce a morte”. A segunda metade da vida não significa subida, expansão, crescimento, exuberância, mas morte, porque seu alvo é o seu término. A recusa em aceitar a plenitude da vida equivale a não aceitar o seu fim. Tanto uma coisa como a outra significam não querer viver. E não querer viver é sinônimo de não querer morrer. A ascensão e o declínio formam uma só curva.
Sempre que possível, nossa consciência recusa-se a aceitar esta verdade inegável. Ordinariamente nos apegamos ao nosso passado e ficamos presos à ilusão de nossa juventude. A velhice é sumamente impopular. Parece que ninguém considera que a incapacidade de envelhecer é tão absurda quanto a incapacidade de abandonar os sapatos de criança que traz nos pés. O homem de trinta anos ainda com espírito infantil é certamente digno de lástima, mas um setuagenário jovem não é delicioso? E, no entanto, ambos são pervertidos, desprovidos de estilo, verdadeiras monstruosidades psicológicas. Um jovem que não luta nem triunfa perdeu o melhor de sua juventude, e um velho que não sabe escutar os segredos dos riachos que descem dos cumes das montanhas para os vales não tem sentido, é uma múmia espiritual e não passa de uma relíquia petrificada do passado. Está situado à margem da vida, repetindo-se mecanicamente até à última banalidade. Pobre cultura aquela que necessita de tais fantasmas!"*
[continua]

*JUNG, C.G., In A Natureza da psique, Editora Vozes, Petrópolis, 2011.

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