"O mérito de um texto bem escrito é, sobretudo, ético:
liberta o leitor. Ao contrário do que estabelece certo senso comum
pretensamente científico, à complexidade conceitual de um texto não precisa,
nem deve, corresponder a obscuridade da escrita. Que o digam os leitores de
Montaigne, grande filósofo de “fácil” leitura, cujas amplitude e profundidade
de pensamento não ficam nada a dever a seus contemporâneos. Ao contrário, com
freqüência Montaigne os ultrapassa.
A obscuridade de um texto revela dois problemas que em geral
andam juntos: a falta de clareza do pensamento e a vontade de impressionar e
(ou) de intimidar o leitor. No segundo caso, reconhecemos o artifício empregado
por quem deseja dominar um campo de pensamento através da supercodificação dos
conceitos, dos mais simples aos mais intrincados, de modo a criar uma língua
somente para iniciados – reles estratégia de mercado utilizada para assegurar o
poder dos mestres e das corporações de ensino.
A escola lacaniana, à qual me filio com esforço, sofre desse
mal crônico: a dificuldade dos textos, estabelecida por seu criador e
perseguida por seus discípulos como se fosse um valor intelectual, promove uma
permanente disputa em torno da imprecisão e da flutuação dos conceitos. Isso
ocorreu, em parte, pela dificuldade da transposição textual da fluência de
Lacan nos Seminários; em parte, porque, nos “Escritos” Lacan revela que a
transmissão escrita não era seu forte.”*
*Maria Rita Kehl, na apresentação de FREUD, S. , Luto e
Melancolia, Cosac Naify, São Paulo,
2011.
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