terça-feira, 30 de novembro de 2010

E tem sempre o enorme e aristocrático Manuel Bandeira


POEMA PARA SANTA ROSA

Pousa na minha a tua mão, protonotária.
O alexandrino, ainda que sem a cesura mediana, aborrece-me.
Depois, eu mesmo já escrevi: Pousa a mão na minha testa,
e Raimundo Correia: "Pousa aqui, etc."
É pouso demais. Basta Pouso Alto
Tão distante e tão presente. Como uma reminiscência da infância.

Pousa na minha a tua mão, protonotária.
Gosto de "protonotária".
Me lembra meu pai.
E pinta bem a quem eu quero.
Sei que ela vai perguntar: - O que é protonotária?
Responderei:
- Protonotário é o dignitário da Cúria Romana que expede, nas grandes causas, os atos que os simples notários apostólicos expedem nas pequenas.
E ela: - Será o Benedito?
- Meu bem, minha ternura é um fato, mas não gosta de se mostrar:
É dentuça e dissimulada.
Santa Rosa me compreende.

Pousa na minha a tua mão, protonotária.


MANUEL BANDEIRA, "In" POESIA COMPLETA E PROSA, Ed. Nova Aguilas S.A., RJ, 1985

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

No colo do menino Jesus




Flagrante no presépio de uma praça em Criciuma, SC.
Recebi estas fotos por email de Zacliz Veiga, sem crédito. Imagino que não sejam dela.

domingo, 21 de novembro de 2010

Não sei por que tanta pedra


É uma pena que Chico Buarque, tão discreto, tenha ficado na linha de fogo do tiroteio provocado pelos critérios esquisitos do Jabuti.O "Leite Derramado" é bom, e parece muito melhor quando comparado aos concorrentes do malfadado prêmio. O Chico não é o escritor do meu coração - não consegui ler Estorvo, nem tentei o Benjamim e o Budapeste - mas tenho de reconhecer que é DE FATO um escritor, que tem as rédeas desse ofício (também desse) na mão, e que neste "Leite Derramado", que li até o fim magistral, está ótimo.

domingo, 14 de novembro de 2010

três poemas de Paulo Franchetti


Este belo "Memória Futura", escrito, segundo o autor, "por necessidade, mas desconhecida", bem poderia se chamar "notas de quem aprende que vai morrer".

I
Abaixo a cabeça, ouço de novo
O rumor do sangue.
Olho para a mesa, as veias da madeira.
Há tempos é matéria apenas, sem resto de folhagem,
Hálito noturno, seiva manifesta.
Meus braços também um dia.
O que restar deles, até que a mesa vá ao fogo
E a lembrança
Enfim se apague em cinza.
Ela me disse: sou toda desvelo.
Ouvi que me queria, senti que me sonhava.
Restei, porém, costurado a esta casa,
Atado a uma nesga de céu, um som de rio.
Foram caindo meus cabelos,
As mãos enrugadas deixaram de apreciar o nó difícil,
Apenas harmonias nos ouvidos.
Na infância, inutilmente gritavam os porcos
A caminho do abate.
Muitas vezes esses gritos me fizeram perguntar:
Para quem, por quem, com que sentido.
Somos todos filhotes na hora da agonia
E a mãe está morta ou distante
Ou nada pode.
Mesmo a mãe das mães apenas viu,
Ouviu e recebeu o corpo.
E eu, que a ninguém queria afligir com um chamado
(Como um animal ferido chama,
No meio do campo, pela ajuda
Que não vem),
Compus este poema.

II
A velhice tem suas vantagens:
Nada vem em vão,
Quase nada se recusa.

A urina na praia,
A chuva fria,
Maresia, carniça, lixo:

Libertos os sentidos,
A mente já não mergulha
No cansaço que sucede a exaltação.

A verdade some no meio dos vazios,
Como a água.


III
Ponho umas palavras num papel
E elas passeiam, intocadas,
Como peixes com fome num aquário.

Se alguém se debruçasse agora,
Em busca de outra imagem recurvada,
Veria apenas a sombra, como eu vejo,
Na folha de papel.

Nem mesmo sob a superfície paira
(As lembranças, afinal, já não cavalgam as palavras)
Alguma forma de alívio.

Apenas isto:
Estes gestos,
Pequenos pedaços flutuantes,
Farelos que os peixes,
De súbito surgindo do fundo
Da água lodosa,
Vêm devorar.


(Paulo Franchetti, Memória Futura. Cotia, Ateliê Editorial, 2010)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

o espírito de Curitiba

Washington Takeuchi
Washington Takeuchi
Washington Takeuchi
Washington Takeuchi
Roubei estas belas imagens do meu "webamigo" Washington Takeuchi. Quem quiser ver e saber mais de Curitiba pode visitar seu blog, o www.circulandoporcuritiba.blogspot.com

Na casa de meu irmão, em Porto Mendes

a vista



os vizinhos

"O Tirpe", ou "história com final feliz"




Meu irmão seguiu à risca a orientação de nosso pobre pai, para navegar pela vida sem fome e sem muito percalço: entrou logo para o Banco do Brasil, fez carreira com jeito e gosto, até que, nauseado com o “os novos conceitos admnistrativo-empresariais”, as técnicas ultra-modernas de competição - rasteira e golpe baixo - aposentou-se assim que deu. Mas antes de aposentar-se morou em várias paragens e numa delas teria ficado até o final dos tempos, se a família não reclamasse a volta para o interior do Paraná: nas Alagoas descobriu o cenário que queria para a vida e sua vocação de audaz navegante e pescador.
Agora, já distante daqueles dias de jangada e mar azul, ele descobre nova paragem às margens do rio Paraná e novo amor: um barquinho batizado com o apelido de nossa mãe, Lali, uma homenagem, claro, mas decerto também um pedido para que ela o proteja dos perigos do rio-mar. Que assim seja!

terça-feira, 9 de novembro de 2010

sábado, 6 de novembro de 2010

quero mais!



um bom torresmo



Meu marido diz, e eu sou obrigada a concordar, que não há em cozinha nenhuma, nem nas mineiras que ele conhece, um torresmo tão bom quanto o que eu faço. Torresmo é a minha “mistura” predileta para o meu predileto feijão com arroz, e posso dizer que passei boa parte de minha vida de cozinheira amadora aperfeiçoando o preparo do dito cujo. Acho que alcancei a perfeição ou algo muito próximo dela.
O toucinho para um bom torresmo, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, não deve ter carne ou ter pouquíssima, pois os pontos de fritura da carne e da pele com a gordura são bem diferentes. Se a carne ficar no ponto a pele não vai ficar pururuca e a gordura ficará molenga, repugnante; se a pele ficar pururuca e a gordura completamente derretida e crocante, a carne ficará tão torrada que será impossível mastigá-la sem o perigo de quebrar os dentes.
O toucinho deve ser lavado e cortado em pedaços regulares, de aproximadamente 3 a 4 cm de comprimento com não mais que 1,5 cm de largura, para que fritem de forma homogênea. Para o tempero eu costumo usar, além do sal, um tanto de alho esmagado, para quebrar o cheiro de “chiqueiro” que a carne de porco costuma ter; para os que a toleram, pimenta do reino também vai bem.
Temperado o toucinho, basta colocá-lo em panela bem grande com um tantinho de óleo e levá-lo ao fogo brando, mexendo sempre com uma colher de pau, para que não grude no fundo. Este é um processo relativamente demorado (e mais demorado quanto maior for a quantidade de toucinho) e perigoso, pois quando a pele começa a fritar é comum espirrar a gordura quente.
A primeira etapa da fritura estará completa quando toda a gordura estiver derretida, de modo que os torresmos sobrenadem, com uma aparência já pururuca. Nesse ponto apaga-se o fogo e retiram-se os pedaços de torresmo com uma escumadeira para outro recipiente, onde deverão esfriar. A gordura que resultou da fritura, a banha de porco em si, eu costumo reservar na geladeira para eventual utilização em outras receitas.
Mas o torresmo mesmo, embora já bem frito e podendo ser consumido, ainda não está pronto; é preciso que esfrie completamente e de preferência descanse por várias horas antes da finalização. Descansados assim os torresmos ou retirados da geladeira, se foram preparados anteriormente, basta refritá-los rapidamente ( muito rapidamente mesmo) em óleo bem quente, até que terminem de pururucar. É preciso cuidado nessa etapa para que não passem do ponto; do contrário ficarão amargos.
Como eu tenho uma boa dose de sangue alemão, o meu torresmo preferido é o feito com toucinho defumado, de preferência que eu mesma defumei, mas, na falta deste, com “bacon” mesmo. No caso de usar o “bacon”, costumo escolher uma peça sem carne ou retirar a carne, evidentemente guardando-a para outra receita. Corto o “bacon” da mesma maneira que o toucinho fresco, coloco-o de molho em água fervente por cerca de meia hora (fora do fogo), após o que descarto a água e coloco em panela grande para derreter (fritar). Daí em diante o processo é exatamente igual ao do toucinho fresco, inclusive com a segunda fritura.
Os da foto acima foram feitos com "bacon"; daí ficarem assim bem moreninhos.

na manhã enferruscada




sexta-feira, 5 de novembro de 2010

momento delicado



Não tenho uma foto melhor porque não quero estressar os bichinhos ainda mais do que a circunstância da vida deles já faz, mas no momento mesmo desta postagem estão em aula de vôo.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

a propósito de sonhos


Já contei aqui que passei pouco mais de três anos da minha infância numa vila de serraria, há muito varrida do mapa, num lugar chamado Saudade. Pois nesse lugar às vezes era ocasião de festa, não sei dizer a troco de quê nem em que época do ano, mas certamente festa religosa, com a presença do turco dono da serraria, Elias Abrahão Maia (seu Didi), que não era turco mas sírio, sua mulher, dona Yolanda, às vezes mais gente de sua numerosa família, e, glória suprema, um padre que ia dizer missa de verdade, todos hospedados em minha casa, que era também o quartel general da serraria e tinha até rádio amador. Tenho vagas e esparsas lembranças dessas ocasiões, mas o de que mais me lembro, além da festa, é claro, com missa, procissão, e muito churrasco, pepino azedo e tal, é que minha mãe fazia macarrão para servir aos hóspedes em casa, primeiro umas placas grandes que ela secava na chapa do fogão a lenha antes de cortá-las em fitas. Eu sempre ganhava uma placa daquelas, deixada mais tempo na chapa para ficar tostadinha, mas seu Didi, que era um gordo muito guloso, sempre a roubava de mim, dizendo: “vai pedir outra para sua mãe”.
A foto acima foi tirada em 1959, eu imagino, durante um churrasco numa dessas festas. O homem de chapéu à direita é meu pai; ao seu lado está Seu Wile, sub-gerente da serraria que morava numa casa exatamente igual e simétrica à minha, do outro lado da rua. A polaquinha atracada com um sonho de goiabada sou eu, ao lado de minha mãe (os sonhos estavam nessa lata grande no chão, lembro como se fosse hoje).
Das outras pessoas na foto reconheço só a parte de cima da cabeça de uma de minhas irmãs, professora muito brava da escolinha da vila, oculta pelo rapaz em primeiro plano. Essa minha irmã, a mais parecida comigo, tinha um amor exacerbado por nosso pai. Lembro dela dizendo que queria muito morrer antes dele, porque não suportaria vê-lo morto. De fato ela o precedeu, ainda bem jovem, com uns trinta e poucos anos. Estava sozinha com ela quando isso aconteceu e segurei sua mão enquanto ela morria, razão pela qual espero que ela venha me receber quando for a minha vez. Certamente teremos muito que conversar.

Receita de sonho


Casa em Santa Felicidade, Curitiba, Pr, Br Foto de Washington Takeuchi

A pedido de meu "webamigo" Washington Takeuchi" que me alimenta sempre com belíssimas fotos de Curitiba e arredores, transcrevo aqui minha receita de sonhos, cuja massa é uma adaptação da massa de pão de minha mãe.

Ingredientes para a massa:

2 ovos inteiros
2 gemas
2 colheres (sopa) de açúcar
1 colher (café) de sal
1 xic. de leite
50 g de manteiga ou margarina
1 colher (sopa) de rum ou conhaque
1 tablete de fermento biológico
½ kg de farinha de trigo
1 pitada de noz-moscada

Ingredientes para o recheio

goiabada em cubinhos de mais ou menos 1cm
creme de leite fresco
2 claras de ovo
4 colheres de açúcar

Modo de fazer:
- dissolva o fermento e o açúcar no leite, acrescente um punhado da farinha de trigo para fazer uma esponja, deixe crescer.
- crescida a esponja, acrescente os dois ovos, as duas gemas, a manteiga, o sal e o rum, a noz-moscada e por fim o restante da farinha. Amasse muito bem e deixe crescer coberta com um pano, longe de correntes de ar.
- quando a massa tiver dobrado de tamanho, separe-a em duas partes (isto não será necessário se você quiser fazer só um tipo de sonho).
- com uma das partes faça bolinhas de cerca de 2 cm de diâmetro; com cada bolinha na palma da mão faça com o polegar uma pequena depressão n o centro, coloque aí um cubinho de goiabada, feche muito bem a bolinha, enrolando-a de volta; coloque numa superfície lisa para crescer;
- com a outra metade da massa modele bisnaguinhas (a partir de bolinhas de uns 2 ou 3cm de diâmetro); deixe sem recheio nenhum, coloque para crescer como no passo anterior.
- cubra tudo com um pano e deixe crescer; quando dobrarem de tamanho os sonhos estão prontos para fritar;
- frite os sonhos em panela não muito grande (uns vinte cm de diâmetro), mas com uma boa profundidade de óleo, para que os sonhos fiquem longe do fundo da panela, até que fiquem bem morenos, virando-os sempre com uma escumadeira (se deixar para virá-los quando uma das metades estiver morena, isto será bastante difícil);
- quando estiverem fritos retire do óleo e coloque em uma forma ou coisa parecida bem forrada com papel absorvente e “role-os” aí para que fiquem bem sequinhos; em seguida (em seguida mesmo, não se pode deixar que esfriem) role-os num recipiente com açúcar.

Os sonhos recheados com goiabada estão prontos já nessa fase. As bisnaguinhas, depois de frias, devem ser cortadas longitudinalmente ao meio e recheadas com chantili. Para o Takeuchi, que mora em Curitiba, será fácil encontrar um bom chantili fresco em confeitarias e padarias. Aqui em Barão Geraldo e alhures isso não existe e, como não suporto o chantili industrializado, preparo eu mesma, da seguinte forma:

- numa batedeira de bolo bato ½ litro de creme de leite fresco bem gelado (se colocar o creme de leite cerca de uns vinte minutos no congelador antes, esta operação será mais fácil, com o creme espirrando menos), até que fique firme, sem que – muito cuidado aqui – vire manteiga. Preparo então, com as duas claras que restaram e as quatro colheres de açúcar, um merengue bem firme. Misturo o merengue ao creme já batido no ponto, MUITO DELICADAMENTE, para que não desande. Recheie as bisnaguinhas.

Agora é só comer, e pode comer à vontade porque depois dessa trabalheira toda você vai precisar repor as energias, e mesmo que não precise vai levar um bom tempo para que se anime a fazer outra vez.
“Voilá”