terça-feira, 2 de novembro de 2010

a mão de um mestre


O conto chama-se “luas-de-mel” e está no livro “Primeiras Estórias”. Passa-se ao longo de três dias da vida de Joaquim Norberto, remediado senhor da fazenda Santa-Cruz-da-Onça, homem “quase de paz”, meio velhusco e enfastiado, já “declinando para nãoezas”. Eis que num depois de almoço de sábado lhe interrompem a sesta para dar conta da chegada na fazenda de um emissário, um tal “Baldualdo”, famoso guerreiro e matador, com a mensagem do pedido respeitoso, mas incisivo: “Estimado meu amigo e compadre...[...] “Para um moço e uma moça, lhe peço forte resguardo. O mais se verá, mais tarde.” Quem pede é um “Seo Seotaziano”, “chefe demais” de tempos antigos, a quem o protagonista permanece leal como um cão. Trata-se de um jovem casal em fuga por conta de rivalidade entre famílias, e o que o velho chefe quer é um porto seguro para a realização do casamento. A partir daí a fazenda é só providências: homens experientes da guerra chamados daqui e dali das fazendas vizinhas, tocaias pelos caminhos, sentinelas, a arrumação dos quartos, “toalhas, bem-estar, flores em vaso”. À meia noite chegam os noivos, “amor muito”, “ainda não um casal”, ainda desconhecidos: “Eu não queria saber, que senão pelo precatar: podendo ser filha de conhecido, parente meu ou amigo. Nem adiantava. Nessa hora, sendo fiel, eu era Seo Seotaziano.” O domingo todo passa-se nos preparativos para o casamento e a guerra, se esta viesse. Mas a guerra não vem e tudo se dá a contento: na segunda feiraa “casação” se realiza com padre e festa, e se consuma; na terça chega um emissário, irmão da noiva, para abençoar a união selar a paz. Os noivos partem tranqüilos para continuar a lua de mel.
Mas note-se que o nome dessa “estória” é “luas-de-mel”: e de fato, com toda a fazenda tomada pela atmosfera das núpcias e da iminência da guerra, o velho Joaquim Norberto sente avivarem-se antigas chamas, e tem ele também um intercurso amoroso com sua velha mulher. Isto fica claro, mas sempre muito sutilmente: “Peguei na mão dela, meio afetuoso. Repensei em todas as minhas armas. Ai, ai, a longe mocidade.” “Eu, feliz, olhei minha Sa-Maria Andreza; fogo de amor, verbigrácia. Mão na mão, eu lhe dizendo – na outra o rifle empunhado-: - “Vamos dormir abraçados...””. “Amanheci fora de horas, me nascendo dos conchegos.”
O que efetivamente dá notícia desse caso dos velhos protagonistas é a maneira como ele vai se referindo à mulher ao longo do conto, nas situações mais corriqueiras dela, em sua lida de dona de casa e anfitriã. Julgo ter compilado todas essas referências, dezenove, no total. Veja-se como elas evoluem da indiferença, do enfastiamento, para um crescente enlevo, culminando num clímax e posterior apaziguamento; é quase como se mimetizassem o ato amoroso:

Sa-Maria Andreza, minha santa e meio passada mulher...
Sa-Maria Andreza, minha mulher...
Sa-Maria Andreza, minha correta mulher ...
Sa-Maria Andreza, boa companheira ...
Sa-Maria Andreza, minha mulher ...
Sa-Maria Andreza, minha conservada mulher...
Sa-Maria Andreza, mulher ...
Sa-Maria Andreza, minha...
Sa-Maria Andreza, minha mulher ...
Minha Sa-Maria Andreza ...
Minha sadia Sa-Maria Andreza ...
Sa-Maria Andreza, mulher minha ...
Minha Sa-Maria Andreza, mulher, ...
Sa-Maria minha Andreza ...
minha Sa-Maria Andreza ...
Sa-Maria querida Andreza ...
Sa-Maria Andreza e eu, nós ...
minha Sa-Maria Andreza ...
minha Sa-Maria Andreza ...

3 comentários:

  1. Dear Ayde,
    Thank you for visiting my blog. Your blog has so many interesting stuff! Art works are also lovely. Please keep up.
    Kind regards, Sadami
    Caro Ayde,
    Obrigado por visitar meu blog. Seu blog tem muitas coisas interessantes! As obras de arte também são encantadoras. Por favor, mantenha-se.
    Atenciosamente, Sadami

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  2. Thank you, Sadami, you're very kind.

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