terça-feira, 11 de maio de 2010

Cecília 2



Confesso que nunca me acertei muito bem com essa poeta: às vezes o rigor da forma explícita (o rigor da forma sutil me agrada muito, veja-se em Carta, de Drummond, que é um soneto e nem se percebe; eu pelo menos não percebi até que me apontaram), muitas vezes as rimas que me martelam no ouvido, às vezes um lusitanismo que me assusta ... enfim, não é a minha poeta e para dizer exatamente o porquê eu teria que me dedicar a ela de cabo a rabo. Eu gosto nela é do “feminino”, coisa pela qual tenho certa obsessão, ainda que não saiba precisar exatamente o que seja. Mas o que quer que seja é quase sempre curto e sem heroismo.
Alguns exemplos:


Valsa

Fez tanto luar que eu pensei nos teus olhos antigos
e nas tuas antigas palavras.
O vento trouxe de longe tantos lugares em que estivemos
Que tornei a viver contigo enquanto o vento passava.

Houve uma noite que cintilou sobre o teu rosto
E modelou tua voz entre as algas.
Eu moro, desde então, nas pedras frias que o céu protege
E estudo apenas o ar e as águas.

Coitado de quem pôs sua esperança
Nas praias fora do mundo...
- Os ares fogem, viram-se as águas,
Mesmo as pedras, com o tempo, mudam.



Pausa

Agora é como depois de um enterro.
Deixa-me neste leito, do tamanho do meu corpo,
junto à parede lisa, de onde brota um sono vazio.

A noite desmancha o pobre jogo das variedades.
Pousa a linha do horizonte entre as minhas pestanas,
e mergulha silêncio na última veia da esperança.

Deixa tocar esse grilo invisível
- mercúrio tremendo na palma da sombra -
deixa-o tocar a sua música, suficiente
para cortar todo arabesco da memória...



Desventura

Tu és como o rosto das rosas:
diferente em cada pétala.

Onde estava o teu perfume? Ninguém soube.
teu lábio sorriu para todos os ventos
E o mundo inteiro ficou feliz.

Eu, só eu, encontrei a gota de orvalho que te alimentava,
como um segredo que cai do sonho.

Depois, abri as mãos, - e perdeu-se.

Agora, creio que vou morrer.

Cecília Meireles, OBRA COMPLETA, José Aguilar Editora, Rio de Janeiro, 1967

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