quarta-feira, 12 de maio de 2010
Ninguém fala dessa bela escritora
Sem novidades no front
Esperava que o marido voltasse da guerra. Durante os primeiros anos, quando ele certamente não chegaria, preparou compotas. Depois, a partir do momento em que o regresso se tornava uma possibilidade iminente, assou pães, e a cada semana uma torta de peras, enchendo a casa com o perfume açucarado que, antes mesmo do seu sorriso, lhe daria as boas-vindas.
Um dia chegou o vizinho da frente. No outro chegou o vizinho do lado. E seu marido não chegou. Voltaram os gêmeos morenos. Voltaram os três irmãos louros. E seu marido não voltou. Aos poucos, todos os homens da pequena cidade estavam de volta a suas casas. Menos um. O seu.
Paciente, ainda assim ela espanava os vidros de compotas, abria em cruz a massa levedada, e descascava peras.
Há muito a guerra havia terminado quando a silhueta escura parou hesitante frente ao seu portão. Antes que sequer batesse palmas, foi ela recebê-lo, de avental limpo. E puxando-o pela mão o trouxe para dentro, fez que lavasse o rosto na pia mesmo da cozinha, sentasse à mesa, enfim um homem no espaço que a ele sempre fora dedicado.
Encheu-lhe o copo de vinho, serviu-lhe a fatia de torta. Profunda paz a invadia enquanto o olhava comer esfaimado. E, esforçando-se para não perceber que aquele não era o seu marido, começou a fazer-lhe perguntas sobre o front.
Marina Colasanti, In “UM ESPINHO DE MARFIM e outras histórias”, L&PM Editores, S/A, Porto Alegre, 1999.
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