sábado, 8 de maio de 2010

Cecília 1

Houve um tempo em que orientandos de meu marido, aqueles com os quais tínhamos maior afinidade, quase todos, na verdade, frequentavam em bandos a nossa casa. Eram dias agradáveis, com almoço e muito vinho, que invariavelmente desembocavam, com todos já meio “comovidos”, em sarau literário. Numa dessas ocasiões, em que cada um se aplicava em ler em voz alta um poema ou um trecho de prosa de sua predileção, fui em socorro de uma moça que trabalhava com a poesia da Cecília Meireles e queria muito falar um determinado poema; ocorria que lá pelo quarto ou quinto verso ela desatava a chorar, parava, recompunha-se, recomeçava, desatava a chorar, recompunha-se, recomeçava, e por aí ia. Por fim desistiu da tarefa e queria porque queria que alguém lesse em seu lugar; nenhum dos outros, já um pouco assustados com a sugestão do tema e dos primeiros versos, se habilitou. Eu, que como alguém uma vez disse, “não sou do ramo mas acompanho bem a conversa” inadvertidamente (eu não conhecia o poema) assumi a empreitada: “ora, que coisa, deixa que eu leio”. Li até o fim, mas deve ter sido um desempenho horroroso, pois logo percebi que eu teria que pensar em outra coisa enquanto lia, para não fazer o mesmo aguaceiro da moça.
Hoje, procurando um outro poema de que gosto muito, a propósito da maternidade, dei com ele. Não me atrevo nem a transcrevê-lo; quem quiser que o procure; chama-se “LAMENTO DA MÃE ÓRFÔ e está no livro MAR ABSOLUTO.
O outro, aqui vai:


A mulher e o seu menino

MULHER DE PEDRA,
que é do menino
que houve em teu doce
braço divino,
- nesse teu braço
que ainda está preso,
plácido e curvo,
à eterna idéia
de um vago peso?

“Vento do tempo
me estremeceu:
ele era pedra
da minha pedra,
mas nunca soube
se era bem meu.

Vento do tempo
passou por mim:
foi-se o menino,
deixou-me assim.
Foi sem palavras.
Tão pequenino,
que ia falar?
Talvez soubesse
para onde é que ia...
Eu não conheço
senão meu peito:
há outro lugar?

Têm vindo coisas:
não sei que são.
coisas que cantam,
coisas que brilham.
Mas ele, não.
E era tão feito
só de ficar
que, embora longe,
sinto-o comigo:
meu braço é sempre sua cadeira,
todo o meu corpo
seu espaldar.”

Mulher de pedra,
que é do menino?

“Vento do tempo
quebrou meu seio
para o arrancar.
A mim, deixou-me.
A ele, levou-o.
(Há algum lugar?)

Desde o Princípio,
comigo vinha.
Meu Nascimento
nele nasceu.
Foi-se – por onde? –
tudo que eu tinha.

Ele era pedra
Da minha pedra,
Porém é certo
Que nunca soube
se era bem meu...”


Cecília Meireles, OBRA POÉTICA, Cia. José Aguilar Editora, Rio de Janeiro, 1967

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