domingo, 23 de maio de 2010

o retrato de minha tia, por van Gogh


A natureza extremamente compassiva de van Gogh levou-o a fazer inúmeros retratos de trabalhadores do campo, por cujos gestos - o de arar, o de semear, principalmente - parece que ele tinha certa obsessão. Compreendia ele muito bem que a lida da gente que mói no aspro não tem nada de idílica; é penosa e desgastante, aviltante muitas vezes, e é assim que em geral a retratava.
Essa “cabeça de camponesa com touca esverdeada” que aí está comove-me por dois motivos: primeiro porque a dor dessa mulher quase se pode tocar; segundo, porque ela me lembra muito uma tia querida, também camponesa, também devastada pela dura vida do campo com que tirou seu sustento.
Minha tia Helena era a irmã mais velha de meu pai, o caçula de vários irmãos. Sobreviveu vários anos a ele. Quando ele morreu, lá se vão 29 anos, e eu cheguei de longe para vê-lo morto, ela me recebeu como um animal ferido e se agarrou desesperadamente em mim como se eu tivesse o poder de trazê-lo de volta.
De quando eu era muito criança e morávamos todos na serraria da Saudade, eu me lembro que ela fazia uns biscoitos de polvilho diferentes de todos que há por aí, muito grandes, redondos e altos, assados em forno de barro. Guardava-os num enorme saco de pano branco que, aberto, exalava o cheiro inesquecível da delícia que ela me oferecia quando a visitava.
Bem mais tarde, quando meus pais e meus tios moravam já em Guarapuava, ela fazia quase toda semana uma broa de centeio que ninguém mais, nem mesmo suas filhas com a mesma receita, foi capaz de reproduzir depois que ela se foi. Também era assada em forno de barro, numa forma grande; ficava enorme e esparramada, em formato oval, com casca muito preta e rija e o interior rendado e consistente como o do pão italiano, só que preto, evidentemente. Meu pai, que a visitava regularmente, a cada fornada dessas ganhava uma broa. Quando eu ou um de meus irmãos “loucos por broa da tia” estávamos em casa, e calhava de ele ter ganhado uma dessas, ele por brincadeira chegava da visita à irmã com a broa sem nenhum embrulho bem acomodada no sovaco, que era, conforme dizia, para não repartir com ninguém.

2 comentários:

  1. Obrigada pela sua visita ao meu blog.
    Gostei do seu blog e especilamente da sua simplicidade e honestidade. Obrigada, por me acompanhar. A partir de hoje também eu a acompanharei.

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  2. Obrigada por tudo, Petra.
    Um abraço

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