terça-feira, 10 de novembro de 2009

Moça de branco

Entre meus quatro e sete anos de idade morei na vila de operários de uma serraria no interior do Paraná, da qual meu pai era gerente. Enquanto ele se aplicava ao seu ofício e minha mãe se esfalfava no armazém que mantinha ao lado de nossa casa, eu, única criança em casa, já que meus dois irmãos pouco maiores viviam num internato na cidade, passava os dias vagando daqui para ali, acompanhada de meu fiel escudeiro, um cão policial chamado Duque. Havia duas meninas vizinhas mais ou menos da minha idade com quem eu brincava sempre, no quintal delas ou alhures, no mato; havia minha tia Helena e minha prima Teca, cujas casas eu freqüentava todos os dias, e havia o resto dos moradores da vila, que eu visitava quando me dava na telha.
Não sei se meus pais consideravam bem os perigos a que me expunha, ainda que na companhia de Duque: a solidão e os bichos do mato, o olho d’água, o rio mais ao longe, a possibilidade de encontro com algum pedófilo, de que tenho vaga lembrança, ou um acidente qualquer que, aliás, acabaria por acontecer. O fato é que não me lembro de que me proibissem nada, exceto uma coisa. Não foi propriamente uma proibição cabal, mas uma forte recomendação: a de que evitasse voltar a freqüentar a casa de uma certa moça. Por quê? Porque ela não prestava, era meio ordinária. Devo ter intuído que não entenderia ou não deveria entender o significado dessas palavras, de modo que assenti, sem pedir nem querer maior explicação. Ocorre que por ocasião de minha última visita a moça gentil tinha me dito, ao se despedir, que voltasse em tal dia, que me esperaria com uma surpresa.
Ora, meus pais, ainda que me amassem, eram, cada um a seu modo, pessoas bem duras, severas, sem nada desse derramamento afetuoso que tem pelas crianças quem gosta especialmente delas, ou quem aprende a gostar, quando tem filhos. Assim, eu estranhava muito se alguém, certamente enganado, demonstrasse esse tipo de afetuosidade comigo, e pensava que devia aproveitar ao máximo enquanto o engano não se desfizesse. Daí que, no dia aprazado, lá estava eu na casinha de madeira ainda crua e cheirosa, de um castanho muito avermelhado, como os longos cabelos de minha amiga. Lembro-me de ter pensado, quando ela suspendeu o alvo guardanapo para me mostrar o bolo que preparara especialmente para me esperar, que o que quer que significasse “não prestar ou ser ordinária”, isso não devia fazer a menor diferença na ordem do mundo.

Um comentário:

  1. Gostei dessas lembranças. Tem alguma historia
    de voce Gloria e deu Tirpe....

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