Quando eu tinha uns doze anos meus pais mudaram-se para Guarapuava e eu fiquei em Ponta Grossa, com uma irmã oito anos mais velha. Passamos a morar numa kitinete nos fundos de um prédio de apartamentos vizinho da nossa casa arejada e clara, agora alugada a uma família estranha que haveria de deixá-la um caco; aquele era um lugar sombrio e feio, de onde não se podia ver o céu nem mais nada além do muro muito alto, escuro de bolor, cheio de lesmas, a meio metro da nossa parede. Foi um tempo sem alegria. Nunca perdoei meus pais por terem me deixado ali para salvaguardar a reputação de minha irmã donzela, mas o fato é que de outro modo eu seria hoje outra pessoa, com prejuízo, ainda que o filósofo refute que isso de “eu ser outra, com prejuízo,” seja algo absolutamente impossível.
Eu e minha irmã ainda não cozinhávamos nessa época; o equipamento de cozinha reduzia-se a um pequeno fogareiro em que fervíamos água para chá ou café; não tínhamos ainda uma geladeira. Pegávamos umas comidas prontas num e noutro lugar, mas o de que mais me lembro desse tempo é de uns sanduíches de presunto, coisa que deploro até hoje.
Também não tínhamos televisão. Nossa senhoria, muito gentil, amiga de nossos pais, recebia-nos toda noite para a novela das oito, que ela assistia invariavelmente comendo um prato de feijão e arroz, sempre nos oferecendo dessa iguaria, e nós sempre educadamente recusando. Não sei quanto a minha irmã, mas eu, enquanto durasse o jantar da mulher, nem conseguia prestar atenção na novela, torturada pela proximidade da comida que sempre foi e sempre será a minha preferida, e que então comíamos muito raramente, em casa de parentes ou quando estávamos em casa de nossos pais.
(continua...)
Fiquei curiosa. Tenho vagas lembranças de algumas histórias suas contadas pela Mira. Isso fez com que eu construísse um mundo de imagens: a madeireira, o ap do joga chave, as viagens com duas peças de roupa, a galinha caipira com polenta numa cozinha imensa, as bitucas partilhadas, ...
ResponderExcluirTem sido uma delícia revisitar essas lembranças que não são minhas, mas que lembro tão bem. :)
Zazá,
ResponderExcluirda história da galinha com polenta eu não me lembro. Esse teu repertório de lembranças emprestadas deve estar contaminado com "causos" de outra pessoa, chegados provavelmente também via Uóli.
Não sei de onde a história surgiu mas, certamente, a polentada com galinha exisitiu.
ResponderExcluirProva é o perfume e o gosto, que só quando feita em fogão de lenha a galinha possui, que me acompanha a vida toda. Sempre que como galinha com polenta fico a imaginar que nunca vai ser igual a da Tia Lali. :)
Zazá, você tem razão. Isso deve ter sido numa das casas em Guarapuava, porque na serraria nenhuma de vocês esteve. Mas olha, mesmo não tendo fogão a lenha eu faço uma galinha com polenta igualzinha à de minha mãe; é só a gente combinar.
ResponderExcluirPor falar nisso, não estou vendo o quadro da cozinha onde se fazia tal galinha, cade? Essa galinha realmente era excelente, que saudades..
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