segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Penélope

Minha irmã foi noiva longamente
que hoje borda e fia na janela,
penélope de próprio labirinto.
Eu mesmo na janela não diviso
senão a vaga espera, em gesto aéreo,
tecida apenas do desejo aflito
com que bordo seu noivo nos atrasos.
Não cabem nossos olhos nesta sala
tão grande, de paredes recuadas;
pois que se cruzem, se amem, se maltratem
com entender de si seus tempos vários.

Apanho teu novelo descuidado,
componho-o de novo, ao revés;
alcança-o teu colo, no bordado
de onde partiu e chega, já sem cor.
Teu noivo, nessa espera, longamente
não vem; o que te posso responder
(como profeta que olha à ré do corpo)
é que já não virá, em seu destino
entregue à solidão dos esperados.
E nós, nosso retrato se colore
daquele azul das horas cumuladas
com que à distância vemos, no bordado,
fio e agulha em linho descansando.
Teu corpo no caminho da janela
eternamente indo, e eu ficando.

Alcides Villaça, In Viagem de Trem, Ed. Duas Cidades, São Paulo, 1988

2 comentários:

  1. O noivo vinha no dia combinado. Durante a semana eu ficava bordando, olhando apenas o ônibus passar, trazendo uma saudade.

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